Os recentes confrontos entre supremacistas brancos e ativistas na cidade de Charlottesville, nos Estados Unidos, mostraram novamente que racistas, quando não são enquadrados pela lei, não hesitam em tornar públicos seus preconceitos. A lei norte-americana é branda em relação ao que considera liberdade de expressão, mas no Brasil a legislação é rigorosa. O resultado é um grande número de crimes raciais são levados diariamente às delegacias brasileiras. Só no Paraná, em 2016, foi registrado em média um caso diário de racismo ou injúria racial que virou inquérito policial.
O dado é do Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial (Nupier), do Ministério Público do Paraná (MP-PR). E os números são ainda maiores, alerta a promotora de Justiça Mariana Bazzo, coordenadora do Nupier, pois nem todos os inquéritos abertos em 2016 foram concluídos até agora. Além disso, segundo ela, há subnotificação sobre esse tipo de crime no país, pois ainda persiste a cultura de que injúrias raciais são brincadeiras ou algo menor.
O número (de casos) na realidade é maior, muitos boletins de ocorrência não se tornam inquéritos porque a vítima deixa de representar ou em muitos casos a vítima não procura a polícia, diz Mariana. Ainda há uma cultura de que esse tipo de crime não vai ser levado a sério, como se fosse um crime menor importância. Muitos casos foram registrados como crimes comuns, e isso foi deixando as pessoas descrentes no sistema.
A situação começou a mudar em 2016, quando, depois de uma solicitação do MP-PR, a Secretaria de Segurança Pública do Paraná (Sesp) criou o Setor de Atendimento ao Vulnerável, no âmbito da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa, da Polícia Civil. Segundo Mariana Bazzo, houve um aumento de 500% no número de notificações, já que muitos casos não eram registrados. A subnotificação foi diminuindo por causa das políticas do governo do estado e ações do Ministério Público, mas ainda é um problema presente.
Em 2015, o MP-PR registrou 387 casos de injúria racial e 30 de racismo que viraram inquéritos no Paraná, mas a promotora alerta que não pode se considerar que houve uma queda em 2016, pois nem todos os casos foram relatados até agora. Um inquérito pode demorar até um ano para voltar ao MP-PR, que posteriormente julga se oferece ou não denúncia à Justiça. Muitos casos de 2016 podem estar pendentes de comunicação. Ainda existem casos em investigação, diz Mariana Bazzo.
Dênis Denilton Laurindo, presidente do Conselho Municipal de Política Étnico-Racial de Curitiba, diz que antes da criação do Setor de Atendimento ao Vulnerável muitos casos terminavam com a assinatura de um Termo Circunstanciado (para crimes de menor potencial ofensivo). Houve um redirecionamento dos boletins de ocorrência que eram subscritos como termos circunstanciados, não como crimes de racismo ou injúria racial. Havia uma discrepância entre a denúncia a resolução do problema denunciado.

Crimes têm diferenças tênues

A injúria racial é tipificada pelo parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal e a pena é de um a três anos de reclusão e multa. Já o crime de racismo é previsto pela lei 7.716 e a pena máxima é de cinco de reclusão. A denúncia de um caso de injúria depende da vítima; já o caso de racismo é denunciado independentemente da vontade da vontade da vítima e o crime é não prescreve, ou seja: pode ser denunciado a qualquer momento, mesmo depois de um período maior à pena prevista.
Enquanto a injúria racial atinge um indivíduo, o racismo atinge uma comunidade de pessoas com a mesma cor de pele ou etnia. É muito tênue essa diferenciação, diz a promotora Mariana Bazzo. Segundo ela, após uma análise, casos que vão para a delegacia como sendo de injúria podem ser denunciados pelo Ministério Público como crimes de racismo. Uma ‘piada’ racista, por exemplo, pode falar de toda a população negra. Na Lei 7.716 também existem tipos penais específicos, como não permitir acesso de alguém a uma loja ou hotel, ou não contratar por causa da cor.