ROGÉRIO PAGNAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça de São Paulo condenou dois policiais militares e um guarda civil de participação na chacina que deixou 17 mortos há dois anos em Osasco e Barueri, na Grande SP.
O júri começou na segunda-feira (18) e poderia durar até 12 dias, mas uma parte das testemunhas foi dispensada, o que acelerou o julgamento.
Foram condenados os policiais militares Fabrício Emmanuel Eleutério, 32, e Thiago Barbosa Henklain, 30, e o guarda municipal de Barueri Sérgio Manhanhã, 43.
Outro policial militar, Victor Cristilder, 32, acusado de também participar do crime, acontecerá em outra data, ainda não definida, porque ele foi o único que recorreu da sentença que mandou todos a júri. Todos estavam presos em São Paulo há cerca de dois anos.
Os principais indícios que foram levados ao júri buscando condenar os acusados foram o reconhecimento de Eleutério por sobrevivente; uma testemunha que disse ter ouvido de terceiro que a mulher de Henklain reconheceu o PM em imagens de TV entre os assassinos do bar; e uma comunicação entre o PM Victor Cristilder, também acusado, e o guarda municipal Manhanhã na noite do crime, antes e depois da chacina, por meio de WhatsApp, sem texto, só com um sinal de positivo e, na última mensagem, um braço forte.
O promotor responsável pelo caso, Marcelo Oliveira, admitiu em entrevista à Folha em agosto do ano passado que a denúncia carecia de uma “prova contundente”. “Vai ser bem difícil a condenação. Porque, de fato, não tem uma prova contundente, irrefutável”, disse. A declaração foi utilizada pelos advogados para pedir a absolvição dos réus. Um áudio com a fala do promotor, que a Folha disponibilizou à época na reportagem foi reproduzido aos jurados.
DEBATES
Os últimos dias de julgamento foram marcados pelos debates, em que a Promotoria apresenta a tese de acusação, e a defesa rebate os pontos e apresenta os argumentos que eles consideram mais importantes para provar a inocência dos réus.
Na quinta (21), o promotor Oliveira chegou a dizer que queria a condenação e esperava que os réus “morressem na prisão”. Na sexta, ele recuou na declaração e disse que esperava que eles continuassem vivos, mas dentro da prisão. A defesa dos réus sustentou que as provas obtidas eram incapazes de levar à prisão uma pessoa por 300 anos, como defende Oliveira.
Os advogados de Eleutério defenderam que havia dez provas da inocência do soldado da Rota, contra um único indício contra ele –o reconhecimento de uma testemunha, que, ainda segundo a defesa, apresentava contradições.
A defesa do guarda Manhanhã diz que ficou provado nos depoimentos dos chefes da guarda que o réu não tinha competência para deslocar os carros da guarda para regiões distantes de onde aconteceria o ataque. Segundo a acusação, ele teria afastado dos locais do crime os carros da unidade que comandava na guarda. A defesa argumenta que até o sogro do promotor, que já foi chefe da guarda de Barueri, pediu a absolvição do Manhanhã. Além disso, argumtou que apenas uma mensagem com um sinal de positivo, sem contexto, não seria prova suficiente para condenar alguém.
A defesa de Thiago Henklain argumentou que a testemunha apresentada pelo nome fictício Gama, que relatou que uma terceira pessoa ouviu uma briga entre Henklain e sua esposa após os ataques, foi ouvida apenas pela polícia, e não pela Justiça, o que tiraria o valor dessa declaração. Se fosse ouvida diante dos jurados, diz a defesa, certamente mudaria a versão, assim como a vizinha que ele diz ter ouvido a briga, negaria o fato.
MEDO
O início julgamento foi marcado pelo medo de sobreviventes. “Como fui alvejado, estou com medo”, disse Amauri José, 56. Ele tomou um tiro no rosto e afirma não se lembrar do crime. Ele depôs no primeiro dia do julgamento, longe dos olhos dos três réus. No segundo dia, a testemunha que disse reconhecer Eleutério depôs em esquema especial de segurança, sem a presença do público ou de jornalistas.
Na quinta-feira (21), o promotor Marcelo Oliveira expôs o nome de outra testemunha protegida, até então apresentada pelo nome fictício de Gama, que disse à polícia ter ouvido acusações contra Henklain em um almoço de família. Oliveira minimizou a revelação: “Talvez ele fique até mais seguro se alguma coisa acontecer com ele”, disse.
Em 2015, a principal testemunha protegida de chacinas ocorridas em 2013 -também envolvendo PMs de Osasco- foi assassinada a tiros.
Um outro episódio do julgamento, a cargo da defesa de um dos policiais, foi questionado pela Promotoria. O advogado Nilton Nunes, que defende o PM Eleutério, mencionou o nome e a profissão dos jurados no fim dos debates nesta quinta.
Detalhes sobre os integrantes do júri vinham sendo mantidos sob reserva -sem divulgação a jornalistas. Para o promotor Oliveira, tratou-se de “uma tática baixa, para dizer o mínimo”, pela hipótese de intimidação. “Não sei se ele fez de propósito ou de boa-fé. Se estiver de boa-fé, é muito ingênuo, mas é um tremendo ato de irresponsabilidade”, disse.
Nunes afirmou não haver nenhuma proibição e que não quis amedrontar ninguém. Disse que apenas tentou ser mais educado “para tratá-los por nome, e não por números”.
CASO
Em agosto de 2015, ataques em série de homens encapuzados deixaram um saldo de 17 pessoas assassinadas em Osasco e na vizinha Barueri.
De acordo com a acusação, a chacina foi provocada por um grupo de PMs, de Osasco, e guardas civis, da vizinha Barueri, que se uniram para vingar a morte de dois colegas deles em dias anteriores. Nenhuma das vítimas da megachacina tinha ligação com a morte dos agentes em dias anteriores, e a maioria não tinha passagem policial.
Os criminosos, usando touca ninja, saíram em ao menos dois carros por ruas dessas cidades atirando contra alvos escolhidos por eles. Em um único bar de Osasco, oito pessoas foram assassinadas e outras duas ficaram feridas.
O governo paulista criou uma força-tarefa, mas não conseguiu encontrar armas, carros e roupas usados nos ataques.
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo afirma que a polícia ouviu cerca de cem pessoas na investigação. Houve indiciamento de seis PMs e um guarda municipal. Posteriormente, a Promotoria denunciou os sete indiciados, mas três casos foram recusados pela Justiça.