ALBERTO NOGUEIRA E ALEX SABINO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ex-jogador Zito, assessor da presidência do Santos, não se conformava. Emerson Leão havia marcado um amistoso com o Corinthians na Vila Belmiro.
“Você foi aquele puta capitão maravilhoso e agora está com medo, porra?”, devolveu o treinador.
O histórico volante temia que a partida sem qualquer valor, em julho de 2002, terminasse em goleada para o Corinthians. Era o time da moda, campeão do Torneio Rio-São Paulo e da Copa do Brasil daquele ano.
O Santos era favorito ao rebaixamento. Sem dinheiro, havia recusado a renovação com o técnico Celso Roth porque este não aceitou reduzir o salário de R$ 60 mil para R$ 30 mil por mês.
O Santos venceu o amistoso por 3 a 1. Foi o começo da caminhada para o título brasileiro que nesta sexta (15) completa 15 anos.
“Se alguém dissesse, antes do campeonato, que a gente tinha chance de ser campeão, seria chamado de louco. Todo mundo dizia que o Santos seria rebaixado”, constata o volante Paulo Almeida.
Aos 21 anos, ele foi o mais jovem capitão a levantar a taça de campeão brasileiro. Era apenas um exemplo da juventude do elenco que salvou o Santos de cair no precipício.
Após a gastança com reforços caros entre 2000 e 2001, o poço havia secado em 2002. O último investimento de certo peso feito pelo presidente Marcelo Teixeira no ano havia sido a contratação de Oséas para o Rio-São Paulo. Foi um fracasso.
Sem receitas, jogadores conhecidos ou dinheiro para reforços, a aposta foi Alberto, 27, atacante de passagens discretas por equipes do interior de São Paulo.
O principal medo de Teixeira era cair para a Série B. O risco era real.
O elenco tinha dois jogadores com experiência em grandes clubes. Fabio Costa, 25, fraturou o tornozelo antes do início do Brasileiro e voltou nas quartas de final. Robert, 29, foi reserva de Diego, 17.
A média de idade da equipe titular na primeira fase era de 22 anos. À exceção do contundido Fabio Costa, em todo o grupo não havia nenhum jogador casado.
A mania dos meninos após os treinos era fazer apostas em cobranças de pênaltis. Não valia dinheiro, já que não tinham. Quem perdesse, pagaria lanches do McDonald’s, para contrariedade de Leão, que não gostava de ver seus atletas comendo fast food.
Quando o Santos entrou em campo para enfrentar o Corinthians na final, em dezembro de 2002, o salário de Diego era R$ 7 mil. O de Robinho, 18, era R$ 3,5 mil.
O clube saiu da fila de 18 anos sem títulos de expressão e se livrou da decadência financeira com folha salarial de R$ 200 mil mensais. Em janeiro de 2000, Freddy Rincón havia sido contratado para receber R$ 300 mil. Em 2001, Marcelinho Carioca chegou para ganhar R$ 350 mil.
CRUZ
“Eles eram o diabo na cruz. Irreverentes, brincalhões, sacanas… Então eu, que tinha sido atleta, treinador enérgico, tive que pensar: ‘Espera um pouquinho. Eles não estão ultrapassando o limite do desrespeito. Estão se formando ainda jogadores e homens…’ Eles eram muito folgados! Mas jogavam muito mais do que nós pensávamos. Eles se acostumaram a ganhar, a golear. Então, a alegria era muito grande”, conclui Leão.
O símbolo da “sacanagem” dos garotos foi o drible de Robinho sobre Rogério no 2º jogo da decisão. Uma jogada que sintetizou a carreira do atacante, que até hoje chama a si mesmo de “pedalada”.
Foi apenas uma delas. Quando Danrlei ameaçou quebrar a pena de Robinho durante a semifinal, ele riu na cara do goleiro do Grêmio. “É mais fácil o Robinho quebrar a espinha do marcador…”, respondeu Diego.
É o mesmo meia que aplaudiu sarcasticamente Renato, do Corinthians, quando este cobrou falta para a lateral na primeira partida da final.
Os dois, unidos por Paulo Almeida e André Luis, gozaram Alberto, colega de time, porque ele havia recebido o terceiro cartão amarelo e estaria suspenso do último jogo, que seria o mais importante de sua carreira.
Passaram dias perguntando ao centroavante se ele já havia disputado uma final de Campeonato Brasileiro.
Leão se viu obrigado a tornar Alberto e Robinho colegas de quarto na concentração porque, se o atacante ficasse ao lado de Diego, ninguém dormiria.
“O futuro do Santos ficou garantido pela geração de meninos e os títulos voltaram a aparecer”, finaliza o treinador, que também se reergueu na Vila após ser demitido da seleção brasileira . A quada aconteceu depois da Copa das Confederações de 2001.
O título que salvou o Santos foi tão marcante que até hoje, 15 anos depois, a torcida lembra da música cantada nos estádios, que dizia que “quando Diego toca a bola, Robinho deita e rola…”
FINAL
A edição de 2002 do Campeonato Brasileiro foi a última disputada com formato mata-mata, com partidas eliminatórias e finais.
A mudança para o sistema de pontos corridos representou uma conquista do então presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Ricardo Teixeira, que ignorou a preferência da Globo, parceira da entidade e detentora dos direitos de transmissão.
O formato, inédito na disputa do nacional, foi promessa de campanha de Teixeira nas eleições da entidade, em 1989. Só acabou sendo implementado, porém, 14 anos depois.
A emissora queria a continuidade da disputa com finais. O narrador Galvão Bueno fez campanha nas transmissões do torneio em 2002 e até promoveu enquete em seu site pessoal, na qual saiu derrotado (57% das pessoas escolheram o modelo de turno e returno, com pontos corridos).
A alteração para o sistema que já era praxe na Europa foi aprovada pelo Clube dos 13 durante reunião do Conselho Técnico do torneio, em dezembro de 2002.
“Acreditamos que as equipes tomaram uma decisão equivocada”, declarou Julio Mariz, diretor da Globo Esportes na época, logo após a decisão.
A emissora acreditava que, caso algum time disparasse na liderança, o campeonato deixaria de ser interessante e, consequentemente, haveria queda de audiência nas transmissões.
O São Paulo, que em 2002 terminou a primeira fase na liderança e foi eliminado nas quartas de final pelo Santos, o oitavo, festejou. “No próximo ano, quem tiver melhor aproveitamento será campeão”, afirmou o presidente Juvenal Juvêncio (1934-2015).
O aproveitamento do Santos em 2002, 58,06%, foi pior do que de todos os times que venceram o Campeonato Brasileiro desde então.