A Constituição Federal, entre tantas atribuições deferidas ao Ministério Público, confiou-lhe a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, incumbência diretamente ligada à noção de Estado Democrático de Direito, fundamento da República Federativa do Brasil. Sendo assim, pode-se dizer que o vínculo entre o Ministério Público e o Estado Democrático de Direito é por demais estreito e, por conseguinte, que as investidas dirigidas contra a instituição interferem no DNA da Constituição. Não é por outro motivo, aliás, que se fala em instituição permanente! O Ministério Público é também cláusula pétrea da Constituição.

É uma instituição estatal que não encontra acomodação nos tradicionais poderes constituídos. Diferentemente da Constituição de 1967, que o inseria na estrutura do Judiciário; e da Emenda Constitucional nº 1/69, que o colocava no âmbito do Executivo; o constituinte de 1988 acabou por alojá-lo entre as funções essenciais à Justiça, leitura, é mais do que óbvio, que não limita as suas atividades à esfera jurisdicional. Ao contrário, isso apenas sugere que o Ministério Público encontra nesse poder um importante espaço para a efetivação dos valores constitucionais confiados à sua tutela.

O Ministério Público está comprometido seriamente com a autoridade da Constituição. E ela, à luz do constitucionalismo contemporâneo, é norma jurídica que a todos vincula. Impregnar a ordem jurídica com esse sentimento é nossa missão primeira. Então, para além do controle de constitucionalidade de leis e/ou atos normativos de menor estatura, incumbe ao Ministério Público efetivar, o quanto possível, o rol de direitos fundamentais ali estabelecidos, atuação que muitas vezes revela a natural tensão entre os poderes estatais.

A Constituição brasileira reduziu significativamente o espaço entre o direito e a política, sendo exigido pouco esforço para perceber tal sobreposição. A falta de lei, por exemplo, já não é óbice à judicialização de direitos constitucionalmente assegurados; ou, por exemplo, a discricionariedade administrativa, incensurável até ontem, é hoje também sindicável. E essa tensão se agrava quando é reconhecida e invocada a normatividade dos princípios constitucionais, pois, todos sabem, eles reduzem drasticamente a distância entre o direito e a moral.

Juízos marcados por mais ampla subjetividade, se ainda surpreendem o operador jurídico, o que dizer dos demais segmentos sociais! Não há como eliminá-los, é verdade, mas com boa dose de sensibilidade podem eles ser mitigados. É importante que o Ministério Público tenha os olhos voltados à difícil, mas exigida harmonização entre constitucionalismo e democracia, dialogando, sempre que possível, interna e externamente. A visão ilhada de seus membros, justificada muitas vezes à luz da independência funcional, já não sugere total convencimento!

O compartilhamento de opiniões, como o conhecimento das razões que justificaram determinado ato ou conduta, revela um importante exercício para o fortalecimento das instituições republicanas, e muito especialmente para as convicções ministeriais; se as tensões são naturais, e os embates inevitáveis, aliado ao apuro técnico, impõe-se ao membro do Ministério Público maior humildade na realização de suas atividades. Há verdades para além das nossas que podem não convencer, mas conhecê-las é imprescindível. O fortalecimento democrático, também nas atividades finalísticas, parece ser um bom caminho rumo à unidade institucional e, porque não dizer, para uma atuação ministerial ainda mais eficiente.

Mauro Sérgio Rocha é Procurador de Justiça e coordenador do Núcleo de Controle de Constitucionalidade da Procuradoria-Geral de Justiça