Vou tentar ser didática para explicar o que foi o desfile da Gucci inverno 2018/19, em Milão, nessa semana. Tentarei, mas não sei se tenho estofo intelectual, histórico e cultural para chegar lá.

Alessandro Michele revolucionou a marca, Ddesde que desembarcou nela, em janeiro de 2015. A Gucci levantou um voo fenomenal em meio a um mundo cheio de crises no mercado do consumo.

Em 2017, as vendas aumentaram em 42% e o faturamento bateu a casa dos £6 bilhões de euros. Para isso acontecer, Michele trabalhou em direções bem coesas. Suas referências são baseadas no que foi hit no passado da Gucci com a adição de um humor kitsch. Existe um nonsense forte. E não havendo uma conexão direta, explícita com a realidade, a gente pode exprimi-la melhor e acredito que é por esse caminho que o doutor Michele vai. Ele toca no que é indescritível e atinge o desejo coletivo de uma galera que, até bem pouco tempo atrás, não tinha nem ideia do que era a palavra Gucci. Mas agora quer e sonha em um dia comprá-la. Explico: fui um dia em uma das lojas da marca aqui em Paris, vi um grupo de jovens – todos meninos, acompanhados por um vendedor. Estavam fazendo um tour! Olhando as peças, admirando-as, experimentando-as e vendo os preços. No final da visita, todos agradecem e um avisa voltaremos dentro de dez anos quando tivermos dinheiro para comprar. Para mim, foi o momento mais revelador de contato com esse fenômeno de vendas. Eles sonham com a Gucci. Eram meninos de guetos, não eram playboys ou garotos ricos acompanhados dos pais. Estavam ali planejando o futuro de consumo deles.

Pois, então, essa conexão entre o real, a ficção e mais um discurso político de engajamento feminista, de igualdade de gêneros e tudo que se passa on e offline que Michele consegue imprimir nas coleções é pura magia.
Por isso, esse ano, tudo foi parar numa sala de cirurgia, cenário do desfile de quarta-feira (21). Dali, se segura que a viagem é longa e precisa ser minuciosamente analisada, pois existem elementos em excesso. O ponto alto de tudo são as reproduções de cabeças de dois modelos e o pequeno dragão (EU QUERO! MUITOS QUEREM!). A imagem das duas cabeças é surreal, de horror e pode ter muitas representações. O que captamos de uma mensagem é nosso e acho que essa é a grande inteligência de Michele.
Nessa fase cirúrgica, ele costura, reata, amputa, implanta e conecta ideias dentro das peças que cria. A mensagem é confusa, assim compo a vida. Mas existe uma riqueza enorme. Ao som da trilha religiosa “Stabat Mater” (1736) de Giovanni Battista Pergolesi, a Guccimania anunciou o começo de mais uma emocionante temporada. Personagens para alimentar nossos sonhos mais malucos não vão faltar.