SILAS MARTÍ
NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – No quinto dia de caminhada, Maria Duarte reclamava de cansaço e dores no corpo. Ela é um dos 11 imigrantes sem documentos trazidos para os EUA quando crianças, os “sonhadores”, que marcham de Nova York a Washington para pedir que não sejam expulsos do país.
“Quando você pensa que não aguenta, tem que seguir pela estrada. Pegamos chuva, neve, andamos com pés molhados em dias de temperatura abaixo de zero”, diz.
Depois de mais de 160 km, o grupo passou pela Filadélfia e deve chegar à capital americana dia 1º. Lá, seguirão até o Congresso, onde esperam que deputados e senadores fechem um acordo sobre a situação migratória deles, que são cerca de 800 mil.
Os beneficiados pelo Daca, programa criado no governo de Barack Obama (2009-17) que impedia a deportação dos sonhadores, enfrentam o relógio. Donald Trump revogou a medida, e a proteção a esses imigrantes chegará ao fim em março caso não aprovem uma lei que lhes garanta permanência nos EUA.
O impasse foi o pivô da paralisação do governo em janeiro, quando democratas se recusaram a aprovar o Orçamento sem a promessa dos republicanos de negociar a medida, e pode causar o mesmo problema mês que vem.
“Precisam resolver esta crise, pois essas pessoas podem perder seus direitos num instante”, diz Tereza Lee, que organiza a marcha. “Espero que os políticos tenham coragem e façam a coisa certa.”
Num café em Nova York, Lee acompanha o grupo por mapas impressos do Google. Filha de sul-coreanos que nasceu em São Paulo, ela veio aos EUA com a família aos dois anos e inspirou o Daca.
Quando quis estudar música numa universidade em Chicago, viu que não seria aceita sem regularizar sua situação e pediu ajuda ao senador democrata Dick Durbin, que escreveu a primeira versão da lei dos sonhadores.
“Não sou mais ilegal, mas cresci sem documentos aqui, a situação está impregnada nos meus ossos”, diz ela, casada com um americano, mas com um irmão à espera da legalização. “Quero amplificar a voz das pessoas sem documento, aumentar a pressão.”
Enquanto os sonhadores marchavam, Lee foi presa em Nova York ao bloquear a porta do escritório do senador Chuck Schumer, líder da oposição no Senado. “Fui levada ao tribunal para depor. Um agente da imigração esperava, mas não pode me deter.”
Não é o caso de Maria Duarte. “Minha experiência aqui foi lutar contra a corrente”, diz a professora, que nasceu no México. “Vivemos nas sombras para evitar que separassem nossas famílias.”
Barbara Hernández, que também veio do México e participa da caminhada, não teve a mesma sorte. Sua mãe foi deportada há quatro anos enquanto ela estudava para se tornar assistente social.
“Fui maltratada por este país desde que cheguei, mas fiz dele meu lar. É traumático pensar que o lugar onde você construiu sua vida possa ser tão hostil”, diz. “Toda a minha vida está no limbo.”
“Eles não podem se expor, então se isolam, se frustram ao querer contribuir para o país e não poder”, afirma Elizabeth Vaquera. A pesquisadora da Universidade George Washington aponta a erosão da sensação de segurança dos sonhadores. “Eles crescem com medo e não confiam nas instituições do país.”
Mae Ngai, historiadora da Universidade Columbia, lembra das idas e vindas na política de imigração nos EUA, com regras mais flexíveis para europeus e mais duras para latinos. “O Daca não é a legalização. Essas pessoas estão aqui e pela lei não poderiam estar, o que as torna um sujeito legal impossível. Todas vivem aterrorizadas.”