Além dos Estados Unidos, a União Europeia (UE) também faz restrições ao sistema 5G da chinesa Huawei. Os europeus alertam que a empresa “está cheia de coronéis e generais” e que a questão deve ser tratada não apenas sob o ponto de vista econômico e comercial, mas também da soberania das Nações e das liberdades individuais. “Por que eles (os chineses) querem estar nos nossos países e nós não podemos entrar no país deles? (…) Nós mantemos soberania se aceitamos o 5G controlado por uma companhia que deve lealdade e é obrigada a se reportar aos serviços de inteligência chineses, como a Huawei?”, questiona o secretário-geral adjunto para Política do Serviço de Ação Exterior da UE, o francês Jean-Christophe Belliard.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ele admitiu que, apesar do esforço para a implementação do acordo Mercosul-UE ainda este ano, há muitas dúvidas quanto à política do Brasil para o meio ambiente, tema que emerge com força no Velho Continente: “Entre os 28 parlamentos (da Europa) há muitos questionando as posições sobre meio ambiente, a devastação da floresta, o tratamento a comunidades indígenas”, disse. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Em que pé está a implementação do acordo UE-Mercosul?

Está indo muito bem. Nós demoramos 20 anos para chegar onde estamos e agora mesmo acabamos de ter uma boa notícia vinda da Argentina. Havia muitas dúvidas sobre como o governo eleito no país iria lidar com o acordo, e o Brasil, que quer muito o acordo, estava preocupado. Mas nós, da Europa, tivemos boas indicações, especialmente depois que nossos embaixadores se encontraram com o presidente eleito Alberto Fernandez. Ele disse coisas muito favoráveis ao acordo, o que é muito importante. Aliás, é importante até porque contribui para que dois grandes países da região, Brasil e Argentina, trabalhem juntos, independentemente de divergências políticas e ideológicas.

O que, exatamente, o presidente eleito disse para os enviados da UE?

Ele foi muito positivo quanto ao acordo, defendeu a implementação como importante para a Argentina. E isso é bom. Quando você olha para a região, vê esses dois países, um para um lado, outro para o outro, mas é como na UE: nós estamos juntos, somos como uma família, e famílias não concordam com tudo, têm suas divergências.

Há prazos para a conclusão prática do acordo?

Nós estamos na fase final e temos algumas questões a serem resolvidas. Elas não são menores e, em breve, enviaremos uma missão aqui para polir essas questões e tentar chegar a soluções. O Brasil, que atualmente preside o Mercosul, quer uma conclusão o quanto antes, de preferência antes do fim do ano, quando termina essa presidência. Vamos ver. Estamos trabalhando duro para fazer as coisas acontecerem. Há às vezes diferenças de entendimento sobre o significado das palavras, nós entendemos de um jeito, vocês entendem de outro e, em algum momento, os termos do acordo terão de ser votados pelos 28 parlamentos e pelo parlamento europeu.

Qual o peso que o meio ambiente terá nessa tramitação política?

Quando você olha a Europa hoje, a ecologia se transformou num tema muito importante, mudanças climáticas passaram a ser um tema muito importante.

Então, as posições do Brasil nessa área podem dificultar as negociações?

É claro que existe uma percepção nos países sobre o que tem sido dito, e a posição da União Europeia é moderar as coisas. Nós não estamos aqui para jogar gasolina na fogueira, mas para reduzir as emoções. Há excesso de emoções envolvidas.

Como a “família Europa”, como o sr. definiu, age para proteger um de seus membros, a França, no confronto com o governo e particularmente com o presidente brasileiro?

O ponto é que, entre os 28 parlamentos, há muitos questionando as posições sobre meio ambiente, a devastação da floresta, o tratamento a comunidades indígenas. Muitos países fazem perguntas sobre isso. Não se trata de um país apenas, mas de um grupo de países.

Pior ainda. Sendo assim, a posição do governo brasileiro pode refletir mal na conclusão do acordo?

Não considero que isso seja um empecilho para o acordo com a UE.

Não? Mas, se um único país disser não ao acordo, não há acordo.

É bem mais complexo do que isso, mas temos de, nas próximas semanas, nos próximos meses, chegar a termos concretos, aceitos de comum acordo, para definir o acordo. Eu tenho me encontrado com embaixadores de países da UE e, é verdade, um certo número deles admite que nós teremos problema se essas questões não forem enfrentadas.

Além da questão objetiva do desmatamento e das queimadas, as manifestações subjetivas do presidente e do governo sobre meio ambiente também causam preocupação?

Eu tenho a impressão e a informação de que este acordo é importante para o Brasil e que há uma consciência do que deve ser feito. Palavras são só palavras, são só política. Mas, por trás das palavras, há o desejo real de seguir adiante, avançar, e eu sou muito otimista quanto a isso. Há problemas, mas estão sendo enfrentados. Veja o que aconteceu com o acordo com o Canadá, que é o Canadá. Tudo parecia pronto, mas foi difícil, bastou um só parlamento dizer que não queria o acordo para adiar o desfecho. Então, quando você tem de defender o acordo, tudo tem de estar impecável. Mas, de novo, estou otimista. Eu penso que, como há decisão política de fechar o acordo, os passos necessários serão dados.

Exatamente nesta semana, o Supremo Tribunal Federal começou a julgar o fluxo de dados entre órgãos de controle e órgãos de investigação no Brasil. Até que ponto um recuo no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro pode interferir no andamento do acordo? O Gafi (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo), da OCDE, já manifestou descontentamento.

Isso é interessante, porque neste momento nós temos também uma forte vontade de que o Brasil integre a OCDE (organização que reúne os países desenvolvidos). Muito bom. Mas, para ser membro de um determinado clube, você precisa respeitar as regras desse clube. Então, se o combate à corrupção é uma dessas regras, isso é uma coisa positivo, porque você tem de tomar uma decisão política naquela direção. Isso depende das autoridades brasileiras e eu não vou comentar o que é bom ou não é bom. O que eu posso dizer sobre a Europa é que a Europa está sempre pronta a dar apoio, se houver decisão política nesse sentido.

Como o sr. vê o movimento à direita em todo o mundo, incluindo a Europa?

Eu não vejo assim, porque a Europa vem resistindo a esse movimento e estamos mantendo a moderação. Quando comparamos com os Estados Unidos e outras partes do mundo, estamos numa posição bem diferente, e o fato é que esses líderes à direita têm muitas ideias, mas na hora de colocá-las em prática rapidamente veem que não é tão fácil assim. Os problemas são muitos e continuam, como a própria corrupção.

Qual o peso da internet nessa tendência à direita e nos próprios rumos internacionais? É a nova guerra mundial?

Em primeiro lugar, não acho que a internet deva ser largada nas mãos de companhias privadas, porque o objetivo delas é fazer dinheiro. Então, nós, Estados, temos de ser capazes de controlar a internet. Não no mesmo sentido de China e Rússia, asfixiando a internet, mas tem de haver equilíbrio, evitar que fiquem ao sabor dos mercados. Há muitas dúvidas sobre o uso, sobre as intenções, e nós gostaríamos de ter muito mais cobrança de responsabilidade dos presidentes desses grupos, como o WikiLeaks. E também que eles pagassem impostos. Esses grupos não pagam impostos e a Amazon, basicamente, contribui firmemente para a destruição de companhias menores, que desaparecem das nossas cidades e jogam as pessoas na pobreza. Qualquer um paga impostos, pequenos negócios, cidadãos pobres, classe média, por que eles não, a Amazon não? Isso é uma questão em que os EUA são o líder, pressionando pelo “american way”, que significa totalmente livres, e na China e na Rússia, totalmente não livres, e nós estamos no meio termo: sim, deve ser livres, mas sob o controle estatal. Nós acreditamos na regulamentação do Estado. O mesmo cabe para a tecnologia 5G (a quinta geração da internet móvel, que terá velocidades de conexão bem superiores às da atual tecnologia 4G). Os chineses estão pressionando a agenda, mas nós temos de ter muito cuidado, nós temos de tomar nossa própria decisão. Na Europa, nós temos Nokia e Ericsson. A China permite que eles atuem no mercado chinês? Nós podemos propor isso para eles. Por que eles querem estar nos nossos países e nós não podemos entrar no país deles? Cada país deve analisar com base nas suas conveniências econômicas, mas também com base no conceito de soberania. Nós mantemos soberania se aceitamos o 5G que é controlado por uma companhia que deve lealdade e é obrigada a reportar aos serviços de inteligência chineses, como a Huawei? E, quando você olha dentro da companhia, vê uma série de coronéis, generais e outros assim. Então, para nós, na Europa, é o fim da ingenuidade. Estamos todos acordando para esses desafios e tentando nos organizar para essas questões que são internacionais, com respeito à soberania e às liberdades individuais.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.