*Cecília Natucci e Marcelo Diniz

    O mercado imobiliário historicamente tem seu desempenho atrelado à conjuntura econômica do país – tanto por consistir em atividade que demanda investimentos significativos, como por ter sua performance diretamente vinculada à taxa de juros, viabilidade de acesso a crédito e outorga de incentivos governamentais.

Apesar de as notícias relacionadas ao mercado imobiliário sazonalmente se alternarem entre seu aquecimento e seu declínio, a aquisição de imóveis sempre foi vista como uma modalidade de investimento vantajosa, especialmente pelo seu potencial de valorização (como visto durante a pandemia para os imóveis residenciais) e pela segurança devido à permanência do ativo adquirido.

Conforme o setor foi se desenvolvendo, os instrumentos e normas jurídicas a ele aplicáveis também foram se aprimorando para fazer frente a operações cada mais vez mais complexas. Esse aperfeiçoamento foi particularmente significativo em relação ao tratamento dispensado ao parcelamento de solo: do entendimento de que a existência de áreas públicas no loteamento garantiria amplo e livre acesso a qualquer pessoa, com a edição da Lei 13.465/17 passou-se a admitir não somente o controle do acesso nos loteamentos (com o surgimento do Loteamento de Acesso Controlado) como a própria criação do Condomínio de Lotes – pacificando a histórica discussão que contrapunha o direito à liberdade de acessar áreas públicas (existentes dentro dos loteamentos) com o direito à propriedade (que permitiria a restrição de acesso de terceiros não autorizados às áreas privadas).

A previsão específica do Condomínio de Lotes foi particularmente importante devido aos diferentes posicionamentos que ora equiparavam o Condomínio de Lotes ao Loteamento (o que implicaria diferentes obrigações ao Empreendedor), ora entendiam que o Condomínio de Lotes consistiria em instrumento jurídico autônomo, cujo regramento seria similar ao aplicável às Incorporações Imobiliárias.

Essa ausência de uniformidade pôde ser sentida com a Solução de Consulta Cosit nº 196/2015. Nessa decisão, a Receita Federal do Brasil entendeu que o regime das incorporações, previsto na Lei nº 4.591/1964, seria exclusivo para empreendimento em que exista a “construção de edificação ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas e o incorporador como sendo aquele que compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno, objetivando sua vinculação àquelas unidades autônomas nas edificações a serem construídas ou em construção sob regime de condomínio”.

Portanto, segundo o entendimento fazendário, a Incorporação Imobiliária seria uma atividade que visa à construção de edificações compostas de unidades autônomas, ao passo que, no Condomínio de Lotes, não haveria uma unidade autônoma a ser alienada, senão uma mera divisão de terra em unidades independentes – atividade típica de parcelamento de solo.

Nesse sentido, não haveria a exigência da constituição do Patrimônio de Afetação, mas, como contrapartida, não haveria a possibilidade de o empreendedor optar pelo Regime Especial de Tributação (RET), previsto pela Lei 10.931/2004 e regulamentado pela Instrução Normativa RFB 1.435/2014, que seria exclusivo para as incorporações propriamente ditas.

Ocorre que a realidade econômica invariavelmente encontra caminhos para adaptar-se à legislação positivada. Assim, seja para viabilizar a adoção do RET, seja para evitar as exigências mais rigorosas dos loteamentos em sentido estrito, muitos empreendimentos adotavam a solução de se constituir como Condomínio Horizontal de Unidades Projetadas, sob o regime de incorporação. Como se tratava de edificações autônomas apenas projetadas, mas não construídas, bastava que o adquirente da unidade encaminhasse pedido de alteração do projeto inicial da sua unidade específica, acabando por caracterizar, na prática, um condomínio de lotes.

Para regular esse fenômeno, passou-se a admitir de forma expressa o Condomínio de Lotes com a aplicação do regime jurídico dos Condomínios Edilícios, por meio da Lei 13.465/2017. Com isso, o cenário começou a se desenhar de forma mais favorável ao contribuinte, com parte substancial da doutrina defendendo a possibilidade de adesão ao RET-Incorporação no caso de Condomínio de Lotes desde logo, já que se tratava de Condomínio Edilício, inobstante o posicionamento da Receita Federal não ter sido expressamente revisto.

Com amparo nesses entendimentos e em opiniões legais específicas, os Empreendedores passaram a defender esse posicionamento perante o Fisco e a pleitear a benesse tributária a que legalmente fariam jus, tendo recorrentemente sido obtidos resultados favoráveis.

Dada ainda a possível dúvida acerca do tratamento tributário desses empreendimentos, em 27 de dezembro de 2021 houve mais um salutar avanço nesse sentido com a edição da Medida Provisória (MP) nº 1.085. Essa norma, entre outros temas, consolidou significativas modificações ao regime jurídico aplicável ao Condomínio de Lotes, determinando de forma expressa a aplicação do regime jurídico das Incorporações Imobiliárias a ele, de forma a equiparar o empreendedor ao incorporador.

Ainda que, à primeira vista, o âmbito dessa equiparação seja restrito a aspectos civis e registrários, as modificações implementadas na Lei 4.591/64 – que, ao prever as obrigações e direitos do incorporador, passou a dispor que frações ideais de terrenos e acessões configuram “unidades autônomas”– corroboram a interpretação pela aplicação do regime jurídico das Incorporações Imobiliárias ao Condomínio de Lotes, incluindo todas as obrigações e direitos a ele vinculadas. O benefício primário dessa equiparação, sem dúvidas, é a viabilização da adesão ao RET-Incorporação por tais empreendimentos.

Essa foi uma conquista significativa para a redução do famigerado “Custo Brasil”, dada a redução expressiva da carga tributária (equivalente a uma alíquota nominal unificada de 4% para impostos e contribuições federais após a adesão ao RET-Incorporação), contribuindo para o aprimoramento do ambiente de negócios do país.

 *Os autores são advogados da Andersen Ballão Advocacia. 



DIREITO E POLITICA

Brasil, o país do futebol, da culinária e das novelas

* Carlos Augusto Vieira da Costa

    Na semana passada o termômetro da Praça dos Três Poderes, em Brasília, atingiu temperaturas equatoriais, e o fenômeno responsável pela onda de calor tem nome e sobrenome: Daniel Silveira. Na verdade, o deputado bolsonarista foi uma espécie de “bode expiatório” de uma trama onde os verdadeiros protagonistas são o STF e o Presidente da República, e o fim dessa novela ainda está por ser escrito, sem direito a “spoiler”.

    Mas a ideia aqui não é tratar essa contenda pelo ponto de vista jurídico, até porque essa aventura demandaria muito mais do que um artigo de dois mil caracteres, mas sim pelo viés da política, que se não é menos importante, é bem mais simples. E politicamente o que se pode dizer é que o jogo entre o STF e o PR segue empatado, com direito a algumas caneladas e muita reclamação de parte a parte.

    Todavia, fica cada vez mais claro que Bolsonaro se empenha em jogar muito mais para sua torcida do que propriamente pela vitória, talvez porque perceba (e ele realmente é uma pessoa intuitiva) que o jogo está ficando cada vez mais difícil, e que uma eventual invasão do campo seja a opção mais segura para evitar uma derrota dentro das quatro linhas.

    Isso, evidentemente, não passa de uma elocubração, até porque, embora criticado pelo indulto/graça concedido ao seu aliado após a condenação pelo STF, o fato irretorquível é que a Constituição Federal, em seu artigo 84, inciso XII, lhe concede essa competência. Se foi justo ou não, é uma outra questão, que se põe inclusive para a própria pena comutada. 

    Por tudo isso, de minha parte, na condição de mero espectador, penso que o melhor a fazer, ao menos para aqueles que querem ouvir o apito final dentro das regras, seria jogar água na fervura, e deixar que as ações falem por si só. Afinal, a torcida pagou o ingresso para ver o jogo rolar, e muito embora uma confusão as vezes até aguce o paladar, a grande maioria não quer se sentir lograda por voltar para casa antes da hora.

*O autor é Procurador do Município deCuritiba



ESPAÇO LIVRE 

O decreto de graça constitucional editado pelo Poder Executivo é nulo

*João Ibaixe Jr.


O instituto da graça concedido pelo Poder Executivo, ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado na quarta (20) a oito anos e nove meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal por ameaças aos ministros da Corte, previsto na nossa Constituição Federal de 1988 (art. 84, XII) e na Lei de Execução Penal (art. 188 e seguintes), é de raro uso em nossa história constitucional-penal.

Embora seja uma prerrogativa do presidente da República para extinguir a condenação de uma pessoa, penso que o decreto de graça constitucional editado pelo Poder Executivo é nulo porque carece de fundamentação constitucional, pois não cumpre as exigências de sua motivação e nasce de interesse diverso do presente no texto da Carta Magna; não atende a requisitos do ato jurídico, porque foge ao interesse público; e, por fim, contraria a lógica do instituto da graça, que nasce como um mecanismo de reparação de eventuais injustiças e não com objetivo de acomodar apoiadores e menos ainda como meio para desrespeito e ofensa ao princ&ia cute;pio da tripartição de poderes.

Vale ressaltar também que não ocorreu o trânsito em julgado, consta expressa referência à “liberdade de expressão”, o que indica uma crítica ao julgado, proibida neste ato pelo princípio da tripartição de poderes. Por fim, alega “comoção nacional”, a qual não existe.

A graça deve ter uma lógica humanitária coerente e proporcional, cuja decorrência esteja presente no próprio ato. Haverá questionamentos e o STF decidirá a questão.

Os desdobramentos do caso serão jurídicos e políticos. O decreto não tem o poder de bloquear efeitos sobre multa e inelegibilidade. Como é desrespeitoso, o decreto possivelmente será duramente questionado no STF. No plano político, o presidente jogou a favor de seus apoiadores e espera colher resultados positivos à frente.

Em vista dos fatos apresentados, apesar da aparência travestir-se de decreto, seu teor é uma espécie de “recurso” em face de uma decisão judicial, o que é proibido em qualquer Estado que se denomine de democrático constitucional.

*O autor é advogado criminalista e ex-delegado de Polícia. É especialista em Direito Penal, pós-graduado em Filosofia, Ciências Sociais e Teoria Psicanalítica e mestre em Filosofia do Direito e do Estado.



PAINEL JURIDICO

Execução

O prazo para ajuizar ação de execução individual de sentença é de cinco anos a partir da data do trânsito em julgado da sentença coletiva. O entendimento é da A 1ª Turma do TST.

Multa periódica

A Associação dos Advogados de São Paulo -AASP realizará no dia 28 de abril, às 19h, o curso “Atualidades sobre a multa periódica (astreinte) nas obrigações de fazer”, ‘ao vivo’ via internet. O curso será ministrado pela advogada, Cristiane Druve Tavares Fagundes, pós-doutoranda pela Universidade de Coimbra/Portugal, doutora, mestra e pós-graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Informações:  https://cursosonline.aasp.org.br/curso/atualidades-sobre-a-multa-periodica-astreinte-nas-obrigacoes-de-fazer-internet-46365?_ga=2.223763167.597278565.1649186639-649677120.1649186639

Meia-entrada para professores

O STF julgou constitucional a lei do estado de São Paulo que instituiu a meia-entrada em estabelecimentos de lazer e entretenimento para professores das redes públicas estadual e municipais.  



DIREITO SUMULAR

Súmula n. 44 do TSE – O disposto no art. 26-C da LC nº 64/90 não afasta o poder geral de cautela conferido ao magistrado pelo Código de Processo Civil.



LIVRO DA SEMANA

Histórias reais, respeitado o sigilo profissional, são contadas a partir de vivências profissionais de seus autores, sejam por relatos de alienação parental (sofrida por crianças desde terna idade até a adolescência) ou de autoalienação, em que se busca incessantemente por culpados enquanto os filhos se tornam invisíveis e os avós lutam por um convívio digno com os netos. Aborda, ainda, a importância de se buscar estratégias para prevenção dessa prática tão cruel que deixa sequelas em suas vítimas; as consequências criminais da falsa acusação de abuso sexual e a necessidade de garantir um convívio mínimo mesmo diante dessas denúncias; a visão sistêmica da alienação parental como importante passo na busca de soluções reais e duradouras; a mudança de domicílio; a intolerância religiosa; a competência da Justiça da Infância e Juventude para apuração da alienação parental, além da compreensão interdisciplinar do tema como forma de evitar o tempo perdido.