A penúltima quinta feira de junho deste 2016 é sem dúvida uma data de valor histórico. Finalmente o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias de Colombia, as Farc, reuniram-se em Havana para firmar um acordo de paz que promete dar fim a cinquenta e dois anos de uma luta que consumiu pelo menos 223 mil vidas e causou o deslocamento forçado de cerca de 7 milhões de pessoas. Assinarão o presidente Juan Manuel Santos pelo governo e Rodrigo Londoño, o Timochenko, líder maior da guerrilha, na presença dos presidentes de Noruega e Cuba como países garantidores do processo e, ainda, do Chile, Venezuela, República Dominicana e El Salvador, mais o Secretário-Geral da ONU que terá a seu lado os presidentes do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral, e representantes do governo norte-americano e da União Europeia.

Em meu livro Guerra en los Andes (Ed. Abya-Yala, Quito, 2008) resumi o começo desse trágico período. Ao longo de seus primeiros vinte anos de existência as Farc tiveram um reduzido crescimento e pouca relevância no panorama político colombiano, mas a situação mudou a partir do começo da década dos anos 80, quando o boom do negócio paralelo do narcotráfico fez aparecer uma forte fonte de financiamento que se somou aos ganhos tradicionais por taxas de proteção e sequestros. A história das Farc, de fato, iniciou em maio de 1964 com a Operação de Segurança Latino-Americana (Latin America Security Operation) que era apoiada pelos EUA com sede ao sul de Neiva, capital do estado de Huila. A presença de tropas de armamento pesado, helicópteros e aviões de reconhecimento tinha como objetivo atacar Marquetalia, uma comunidade independente com aproximadamente 5 mil habitantes, a maioria formada por camponeses oriundos das guerrilhas liberais dos tempos da Violência, e que era comandada por Miguel Marulanda Vélez, el Tirofijo (o Tiro certeiro). Obrigados a fugir para a selva e para as montanhas, cinco pequenos grupos decidiram criar o Bloco Sul que em abril de 1966 se transformou nas Farc.
As negociações atuais, às vésperas de completarem quatro anos, resultaram em acordos relativos a três grandes áreas: Agrária com a instituição de um Fundo de Terras e de linhas de crédito específicas; de Drogas para permitir a substituição dos cultivos de coca, sob o reconhecimento condicionado das Farc de que não mais terão vínculos com o narcotráfico; de Vítimas com base na busca da verdade, da justiça e de reparações, incluindo o compromisso de que os guerrilheiros não serão extraditados, pagarão penas em condições especiais e poderão participar na política regular.

O que se assina hoje é um cessar-fogo bilateral e definitivo junto ao fim das hostilidades e ao abandono das armas. Seguindo-se ao silêncio dos fuzis as Farc se transformarão em uma organização de caráter político, como os partidos e tantas outras existentes no país. Para que principalmente o povo se convença de que é para valer, ainda restam definições concretas como as datas e locais para a entrega dos armamentos, a realização do plebiscito e a nomeação dos componentes do Tribunal Especial de Paz que deve ser composto por magistrados da ONU, do Vaticano e da Corte Suprema de Justiça colombiana, Juan Manuel Santos diz que o Acordo Final poderá ser firmado dia 20 de julho, mesmo que restem detalhes (na realidade os Acordos têm muito palavrório desnecessário e uma profusão de subentendidos e serem explicados ou regulamentados).

Comandados pelo ex-presidente de direita Álvaro Uribe, os que se opõem ao processo de paz prometem fazer de tudo para anulá-lo, mas entre os que estão fartos da guerra somam-se até mesmo os próprios guerrilheiros, embora os que de fato não sabem fazer mais nada a não ser lutar ainda possam optar em aderir às gangues do submundo ou ao Exército de Liberação Nacional, ELN, que permanece formalmente excluído das conversações.

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional