SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A solidão povoada é a experiência em torno da qual Andrew Haigh vem consolidando seu nome com um conjunto ainda curto, porém muito coerente, de ficções.

Com quatro longas e a série “Looking”, concluída de forma desajeitada por “Looking: O Filme”, Haigh chamou a atenção com histórias sobre perdas ou dificuldades de constituir afetos, narrativas que valorizam a instabilidade dos personagens e refletem nossas subjetividades saturadas e insatisfeitas.

epois de se estabelecer com melancólicos retratos da outra face do hedonismo gay, Haigh expandiu sua temática para os sintomas do envelhecimento sentimental no doloroso “45 Anos”.

“A Rota Selvagem” segue um adolescente à deriva que, diante da falta de laços afetivos com família e amigos, adota um cavalo de corrida como companheiro de sua vida sem rumo.

Já vimos e revimos fábulas de crianças e jovens que estabelecem com animais um tipo especial de emoção. Muitas delas sobrecarregam o valor da pureza ou da inocência. “Rota Selvagem” revisita esse subgênero das narrativas de formação combinando as características de outros gêneros mais amargos e realistas, como o filme social e o “road movie”.

Cena do filme ‘A Rota Selvagem’ Divulgação Cena do filme ‘A Rota Selvagem’    Da primeira à última imagem, Charley encontra-se sozinho. Entre a primeira e a última cena, sua jornada será composta por perdas, fugas e encontros que duram pouco. Sua rota de Portland a Laramie não cruza apenas a beleza da paisagem americana. Em seu caminho, ele também refaz a tradição dos personagens solitários que a cavalo, moto ou carro são movidos por miragens.

O percurso do garoto desvela ao mesmo tempo uma sucessão de outros abandonos representados em encontros breves com a miséria material e espiritual que se propaga debaixo dos berros da grandeza americana da era Trump.

Para tornar esse submundo mais inquietante, “Rota Selvagem” esvazia seu protagonista de psicologia, deixando apenas o olhar de Charlie Plummer vagar atônito de uma situação a outra. Incapaz de reter ou acumular, de saltar de um estágio a outro como um herói de feitio clássico, ele projeta uma imagem do adolescente que não encontra proteção sob a capa dos super-heróis.

Essa subversão da narrativa tradicional não falhará na vontade de incomodar. Ao lado dela, a promessa final de estabilidade é provisória e não ameniza a mensagem de desesperança que Haigh cultiva com afinco.

A ROTA SELVAGEM

PRODUÇÃO Reino Unido

ELENCO Charlie Plummer, Steve Buscemi, Chloe Sevigny

CLASSIFICAÇÃO 12 anos

DIREÇÃO Andrew Haigh

AVALIAÇÃO Muito bom