Tita Blister

Acordei um pouco mais tarde que minha rotina e ao colocar água e comida para a cachorra no quintal de casa, notei que os pássaros 

gritavam. Eu sempre fui uma observadora dos ambientes, mas dessa vez, talvez melindrada pelo confinamento involuntário, embora
costumeiro, eu percebi liberdade no som dos bichos.

Todos os cachorros da vizinhança começaram a latir, e não era pela presença humana, parecia uma rede a dizer “eles estão nas suas
tocas, finalmente em suas tocas!”. Não vi nenhuma formiga trabalhando, nenhum mosquito rodando em torno do nada. Um jacu imenso foi se
aproximando do portão, sem nenhuma cerimônia. Eu fiquei sem ação e gesticulei insana a mandá-lo embora. O pássaro gigante não se
intimidou. Subiu no muro e encarou minha cachorra, que deu um latido sem qualquer autoridade, o que deu ao jacu, livre acesso para um
voo no quintal e depois uma subida lépida para o telhado. “Tem um jacu imenso na minha casa”, pensei.

Depois de toda a cena, voltei ao recolhimento e comecei a ouvir todos os sons da natureza, do balançar dos galhos nos pinheiros, da
sombra das roseiras na minha janela, do gatos em pulos sinuosos, ignorar solenemente as cercas elétricas. A verdadeira Revolução dos
Bichos, sorry Orwell!

Então leio num link verificado, que há décadas não se viam as águas do canal onde trafegam as gôndolas em Veneza, tão limpas e com
peixes. A prefeitura local emite uma nota típica do bicho homem, que a poluição reduziu pouco e tasca explicação técnica. O bicho homem
é sempre pedante quando se trata do meio ambiente, não se vê parte dele, mas superior a ele. Assim como se suspenderam as touradas na
Espanha, e vejo os chifres livres dos touros, isso não é realmente precioso?

Os animais domésticos nos olham como seres frágeis, sempre nos viram assim, mas a venda da altivez da inteligência pretensa nos cega,
como os poderosos que criticamos na mesa do bar, hoje vazia.

O céu nos observa e imagino as nuvens comentando entre elas, “aquela mulher parece um pinguim, olha lá, aquela ponta é um bico e do
lado as asas”, enquanto outra nuvem discorda vendo um semblante de uma morta-viva.

As borboletas, ah, as adoráveis borboletas batem asas como se fossem na minha cara como se falassem “querida, transformar exige
processo, processo exige presença, presença exige ação, ação exige movimento, depois de borboleta não se volta a ser lagarta”. Ainda
não voei, mas não sou mais avoada.