ANAÏS FERNANDES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As ações da Petrobras desabaram cerca de 14% nesta quinta-feira (24), levando a empresa a perder R$ 47,3 bilhões em valor de mercado, após a petroleira anunciar congelamento temporário no preço do diesel e deixar investidores desconfiados de uma possível interferência política no controle da estatal.

Os papéis preferenciais da Petrobras -sem direito a voto, mas com preferência na distribuição de dividendos e que têm maior volume de negociação- caíram 13,7%, cotados a R$ 20,08. Os ordinários, com direito a voto, recuaram 14,5%, para R$ 23,20.

Apesar de forte queda, no ano ainda acumulam alta de 24,7% (preferencial) e 37,2% (ordinária).

O tombo das ações nesta quinta deixou a petroleira com um valor de mercado (preço da ação multiplicado pela quantidade de papéis existentes) de R$ 285,1 bilhões e fez a empresa a perder a liderança do ranking da Bolsa. O posto voltou para a Ambev (R$ 319,6 bilhões), que ocupava a posição desde 2014 e havia sido desbancada pela Petrobras no início de maio.

Com peso de quase 12% no Ibovespa, índice que reúne as ações de maior liquidez na Bolsa brasileira, a petroleira puxou o indicador para baixo. Ele caiu 0,92%, mas conseguiu recuperar o patamar dos 80 mil pontos que havia perdido ao longo do dia, fechando com 80.122.

Ivan Kraiser, gestor chefe da Garín Investimentos, aponta que por volta das 16h30, por exemplo, o Ibovespa perdia cerca de 1.290 pontos, sendo que 1.100 eram da Petrobras. "Se a Petrobras não tivesse caído tanto, talvez a Bolsa pudesse ter subido hoje", diz.

No Brasil, o dólar também sentiu os impactos da greve de caminhoneiros que paralisa o país. 

A moeda americana subiu 0,63% antes o real, para R$ 3,649. O dólar à vista ganhou 0,23%, para R$ 3,637. O movimento diverge do cenário externo majoritário, em que o dólar perdeu para 24 das 31 principais divisas do mundo, mas está alinhado com a depreciação de moedas emergentes. A lira turca se desvalorizou 2,34%, o peso argentino, 0,64% e o rublo russo, 0,43%.

Pressionada em meio uma greve de caminhoneiros que paralisa o país, a Petrobras anunciou na quarta (23) à noite a redução em 10% no valor do diesel nas refinarias a partir desta quinta, por quinze dias. A medida pode resultar em perda de R$ 350 milhões em receita para a companhia.

A Câmara dos Deputados aprovou ainda na quarta emenda para zerar o PIS/Cofins sobre o diesel até o final do ano, e o governo firmou um acordo com o Congresso para zerar a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico).

Os anúncios, porém, não surtiram o efeito esperado, e a Abcam (Associação Brasileira dos Caminhoneiros), que representa 700 mil caminhoneiros, disse que só vai parar quando for publicada a isenção de impostos no Diário Oficial da União. A associação divergiu de outros representantes do setor e abandonou uma reunião com o governo que começou às 14h desta quinta, mas ainda não terminou.

ACONTECEU DE NOVO?

A principal preocupação entre os analistas do mercado é pela possibilidade de novas ações para controlar os preços em caso da repetição de crises como a atual.

"A incerteza de uma possível interferência na nova política de preços da Petrobras é o principal ponto que deixa o investidor cauteloso", afirma Rafael Passos, da área de research da Guide Investimentos.

Em teleconferência para tentar acalmar investidores insatisfeitos, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, disse que a decisão foi excepcional e não representa interferência na política de preços da estatal.

"Sim, isso aconteceu de novo", escreveram os analistas Luiz Carvalho e Gabriel Barra, do banco UBS, lembrando que a companhia havia conseguido reverter histórico controle dos preços dos combustíveis ao passar a acompanhar o mercado internacional. 

"A nova política de preços foi uma das principais vitórias da gestão de Parente. Isso vinha puxando a margem e impulsionando os últimos resultados da empresa. Ele já havia citado que, caso houvesse alguma interferência, ele sairia do cargo", observa  Passos.

Pela manhã, o mercado era tomado por rumores de que Parente poderia deixar o posto. Ele negou.

Na teleconferência em inglês, Parente frisou diversas vezes que a decisão de cortar os preços do diesel foi tomada pela direção da Petrobras, sem interferência do controlador, e pensando no interesse da companhia. Ele argumenta que a perda financeira poderia ser maior com a suspensão de suas operações pela greve dos caminhoneiros.

Segundo ele, se o governo voltar a controlar a política de preços da estatal, terá que encontrar "outra diretoria alinhada a essa decisão". "O governo tem a visão clara de que a Petrobras não pode ser usada de forma social".

Para André Perfeito, economista-chefe da Spinelli Corretora, investidores podem estar entendo que a capacidade de o governo promover reformas está ainda mais fragilizada. 

"Já sabíamos que seria difícil para o governo promover mais reformas, mas parece que ele retrocedeu, que algumas políticas, entre elas a de preços da Petrobras, retrocederam. O conjunto de medidas ortodoxas talvez tenham encontrado um limite", diz.

Analistas cortaram a recomendação dos papéis da companhia, citando preocupação com aumento dos riscos de interferência política na estatal.

"As regras do jogo mudaram", afirmou André Hachem, do Itaú BBA, que cortou a recomendação das ações preferenciais e reduziu o preço-alvo para R$ 27, ante R$ 32.

O analista do Credit Suisse Regis Cardoso reduziu a recomendação para os ADRs (recibo de ação negociado nos EUA) para 'neutra', afirmando que os eventos recentes envolvendo a companhia trouxeram a "política técnica de preços da Petrobras para o debate político" e que ele teme um aumento dos riscos de interferência.

"Tudo o que precisa é uma pequena percepção de intervenção negativa", afirmou Bruno Montanari, do Morgan Stanley, que também reduziu a recomendação do ADRs da empresa e ainda cortou o preço-alvo de US$ 15 para US$ 13.

As ADRs da Petrobras caíram 15,4% nesta quinta, para US$ 12,78.