Houve um tempo – há um longo tempo – em que trabalhei em um prédio enorme, décimo sexto andar acarpetado, separado por baias de fórmica, onde se espalhavam crachás, cheiro de café, impressoras escandalosas, metas a serem alcançadas, reuniões, reuniões e reuniões. O prédio ficava em uma dessas avenidas cheias de luzes e trânsito, estávamos, meus colegas e eu, sempre ocupádissimos, ‘meia noite e ainda muito a fazer’. ‘Fechamento’, dizíamos quase orgulhosos das horas extras.

O contraste entre as lâmpadas fluorescentes, ar-condicionado a milhão, o barulho dos muitos, os saltos, os looks e a minha salinha pequena, minhas plantas, meu abajur de 20 watts, minha mantinha na perna, o que penso, falo, vivo e escuto hoje é brutal, quase violento.

Foi minha vida há muito tempo, mas não por pouco tempo. Da temporada longa, algumas figuras marcantes permanecem comigo. Em minha memória, nas histórias que conto para as meninas e para mim e naquela rede social, também vinda de um passado distante da qual, por alguma razão, não consigo me desligar, o facebook.

Uma dessas figuras foi minha chefe. Na hierarquia da empresa, havia muitos acima de nós. A essa altura, eu não era chefe de ninguém. Tudo o que eu produzia precisava ser aprovado por ela e, uma vez que ela estivesse satisfeita, pelo nosso diretor. Produzíamos muito e, portanto, precisávamos nos comunicar inúmeras vezes durante o dia. O que mais me cansava, nessas meia-noites, não era nem o trabalho, mas a estranha mediação que eu – júnior até a última gota de sangue – precisava fazer entre chefe e diretor. Eles não se falavam. Literalmente. E sempre que algum ajuste se fazia necessário, era preciso repetir o que cada um queria dizer para o outro, porque além de não se falarem também não se escutavam, ou fingiam não se escutar. Embora sentássemos os três a uma distância de no máximo um metro. A coisa toda era, no mínimo, ridícula.

Pois hoje, li um depoimento dessa minha ex-chefe no facebook. Ela falava sobre o não desejo de ser mãe. Dizia que uma única vez, sentiu que faria sentido ‘amalgamar genéticas’, como ela mesma descreveu, mas rapidamente o sentido se perdeu. Seguia comentando todos os outros não quereres. Só no finzinho da postagem longa, contou que o rapaz que despertou nela a vontade curta não chegou a saber do possível amálgama. Namoraram à distância, quando eram ainda novinhos. Ele decidiu visitá-la aqui no Brasil na mesma semana em que foi diagnosticado com um câncer. Morreu em um mês, sem ter tempo de visitá-la ou fazê-la receber a visita de um filho. Perdeu-se o sentido.

Eu que a congelei na memória como uma briga besta com um diretor também besta, gostei de lembrar o óbvio: ninguém é uma coisa só, uma experiência, um período, uma fala, um desejo. Somos muitos. Não cabemos em nenhum fechamento. Boa semana queridos.

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