Quando Antony arranca em velocidade pela ponta direita, o adversário sabe que uma jogada de perigo pode estar por vir. Tem sido uma cena recorrente na carreira do jogador do Ajax, revelado pelo São Paulo na Copa São Paulo de Juniores em 2019. Destaque do time holandês e campeão olímpico nos Jogos de Tóquio, o atleta recebeu sua primeira convocação para a seleção brasileira principal, que disputará neste mês três jogos das Eliminatórias para a Copa do Mundo do Catar. começando com a partida desta quinta contra a Venezuela fora de casa.

Como muitos jogadores, o contato de Antony com o futebol foi desde cedo. A promessa brasileira pisou pela primeira vez em um estádio aos cinco anos, acompanhado da tia Cleonice, em uma partida do São Paulo pela Copa Libertadores. Aos 12, ele deixou as arquibancadas que tanto dividia com a família, para começar sua carreira no time do coração.

Três anos depois, já no sub-15, o garoto rápido com a bola nos pés começou a enfrentar dificuldades. Seu sonho de disputar a Copa Votorantim de futebol, torneio importante da categoria, foi por água abaixo quando viu a lista dos meninos relacionados sem o seu nome. “Foi um dos dias mais tristes da minha vida. Chorei muito”, conta em Antony: Coração Tricolor, série produzida pelo São Paulo e lançada em 2020 sobre a vida do jogador. O atacante chegou a entrar na lista de dispensa do clube em três oportunidades, mas não desistiu.

“No sub-16, ele não subiu para o sub-17. Tínhamos muitos jogadores talentosos e ele era de uma geração muito forte de atacantes. Como ele driblava bem, mas tinha dificuldades em finalizar as jogadas e não tinha um porte físico tão avantajado, ele acabou ficando um pouco para trás. Teve um momento de questionamento da evolução dele por tudo isso”, conta Menta, técnico do São Paulo sub-17.

“Eu cobrava para ele acertar os dribles, mas também saber finalizar ao gol. Ele demorou um pouco para maturar, por isso houve um questionamento, mas ele se tornou esse talento que conhecemos hoje”, avalia. As coisas começaram a mudar para melhor quando Antony chegou ao sub-17. Ele passou a receber mais oportunidades e, por consequência, destaque em campo, ajudando o São Paulo a ser campeão da Taça BH 2017. Com a camisa do Tricolor, também conquistou outros títulos, como a Copa do Brasil sub-20 em 2018. Suas deficiências iam sendo corrigidas nos treinamentos e jogos. Sua formação ainda não estava completa.

Promovido aos profissionais no mesmo ano, fez sua estreia em novembro no empate em 1 a 1 com o Grêmio pelo Campeonato Brasileiro, graças ao técnico André Jardine, com quem voltaria a trabalhar. No início, retornou temporariamente para a base tendo em vista a disputa da Copa São Paulo de Futebol Júnior, decisão que, inicialmente, o desagradou. Antony queria permanecer no time principal. Mas na Copinha de 2019 ele teve grande destaque na campanha que levantou o troféu da competição e ganhou mais respaldo ao retornar aos profissionais.

VENDA PARA O AJAX – Aos poucos, o garoto mirradinho foi se firmando cada vez mais no elenco principal e realizou o sonho de menino. Quatorze anos depois da primeira ida ao Morumbi, voltou ao estádio em uma partida da Copa Libertadores, mas agora para estar dentro de campo. Antes do apito inicial no jogo contra a LDU, não aguentou o choro. A emoção também era da sua família. Seu gol na final do Campeonato Paulista fez sua mãe, que estava assistindo pela televisão, quase desmaiar em casa. O bom futebol atraiu a atenção de vários clubes europeus e o São Paulo acertou sua venda para o Ajax no ano seguinte.

A adaptação de Antony ao futebol holandês foi rápida: balançou as redes 16 vezes e deu nove passes para gol em 46 partidas. Na atual temporada, são dois gols e duas assistências em oito jogos. O técnico do Ajax, Erik ten Hag, comemorou a convocação do atacante por Tite. “Fantástico, claro, e incrivelmente merecido. O Brasil é um país com uma enorme quantidade de jogadores de primeira linha. Antony trabalhou muito para isso e jogou muito bem, então ele merece”.

Em sua primeira coletiva pela seleção brasileira principal, nesta quarta-feira, dia 6, véspera do jogo em que pode estrear, Antony destacou o sonho dele e da família de representar o Brasil. “Passa um filme na cabeça quando encontro jogadores aqui que são referência e compartilho com eles esse sonho. É muito gratificante poder ser um exemplo para o meu filho. Fico muito orgulhoso e pretendo ter ainda mais histórias para conta para ele”, comentou o garoto que já é papai.

Poucos treinadores conhecem tão bem Antony quanto André Jardine, que comandou o jogador na base do São Paulo, o lançou entre os profissionais do clube e o levou para a seleção olímpica. O atacante já era observado pela comissão técnica da seleção principal antes mesmo do bom desempenho nos Jogos de Tóquio. Desde o pré-olímpico, Jardine e Tite, além de seu filho e auxiliar técnico, Matheus Bachi, já conversavam sobre como o atleta poderia contribuir para o modelo de jogo da seleção.

“É um jogador muito inteligente, essa é a principal característica dele. Ele é um ‘ponta-meia’, jogou muito assim na base. Pode fazer funções diferentes, combinando o jogo por dentro ou pelo lado. Acredito que foi isso que seduziu o Tite. São poucos os jogadores que podem fazer as duas coisas tão bem quanto ele faz”, analisou ao Estadão.

Na coletiva de convocação, Tite destacou que a armação de jogadas de Antony pelos lados do campo pode ser um trunfo importante para o time. “Quando você tem Neymar, Jesus, Gabigol e Richarlison, são jogadores mais verticais, agudos. Quando tem jogadores mais armadores, tem mais tabela e triangulação. Com uma escalação, você opta por uma forma ou outra. Quando você traz o Antony, tem jogo combinado. Everton Ribeiro também”.

A evolução e o amadurecimento de Antony desde que trocou o São Paulo pelo Ajax o credenciou à convocação para a seleção brasileira principal. “Ele participa muito da parte defensiva, está super comprometido sem a bola e se firmou muito rápido no Ajax. Fisicamente evoluiu, está ainda mais potente e ganhou massa muscular, sustentando os duelos no um contra um”, disse Jardine, que destaca a finalização como um fundamento que Antony precisa evoluir. “É a cereja do bolo para ele ser um jogador completo”.

O bom momento de Antony não passa despercebido por outros clubes. Em julho, o jogador foi sondado pelo Bayern de Munique, que queria um atleta para atuar nas pontas, segundo a Sky Sports Alemanha, mas não houve proposta. O São Paulo ainda tem 20% de uma futura negociação. Com Antony entre os convocados, o Brasil encara a Venezuela fora de casa, nesta quinta-feira, às 20h30. A seleção viaja na sequência para a Colômbia a fim de enfrentar os donos da casa no domingo, dia 10, e terá pela frente o Uruguai, em Manaus, no dia 14.