A consciência de Identidade Nacional em nosso país é questão ainda restrita a alguns grupos, indígenas, migrantes vários, destituídos e despossuídos em geral. Parte significativa de nossa população sequer pensa no assunto, somos brasileiros com tudo o que implica de bem e de mal, e pronto. A Constituição nos garante direitos: escolher nossos governantes, acesso à educação e saúde, liberdade de opinião, locomoção, trabalho; e embora nem todos esses direitos sejam realmente facultados a todos, eles existem formalmente e nos definem como cidadãos.

No entanto, existem milhões de seres humanos para quem Nação é uma realidade impossível, nenhum país os reconhece e poucos os acolhem, sempre de má vontade e com baixo status, dificultando-lhes até mesmo o acesso aos procedimentos mais básicos para obter algo semelhante a cidadania.    

São apátridas, pessoas sem pátria, que não têm sua nacionalidade reconhecida por nenhum país, fugitivos de guerras, tiranias, miséria. A gênese desta vergonha para a humanidade está em fatores que não nos orgulham como seres humanos: racismo, como se determinadas “raças” fossem inferiores a outras e indignas de conviver com elas; xenofobia, a exacerbação do medo das pessoas que não se conhece (“Filha do medo, a raiva é mãe da covardia…” – A caravana do Arará, Chico Buarque); materialismo desvairado, reservar apenas atividades desagradáveis e mal pagas aos desprotegidos pela Lei, e para manter isso negar-lhes essa proteção.

Na crise de migração na Europa em 2017/18 a atitude da então chanceler alemã Ângela Merkel foi exemplar: abriu as fronteiras de seu país a centenas de milhares de refugiados, e não há registro de que a economia da Alemanha tenha sido prejudicada com isso. Vários outros países também receberam refugiados, inclusive o nosso com venezuelanos e haitianos, ainda que em menor escala; mas as dificuldades de integração dessas pessoas são muitas, a começar pela dificuldade de acesso aos sistemas educacional e de saúde do país em que se encontram.  

Apatridia normalmente resulta da discriminação contra minorias em uma certa legislação, que não reconhece parte dos residentes do país como cidadãos, e estas pessoas se tornam invisíveis e desconhecidas, sem possibilidade não apenas de ingresso no sistema educativo – portanto, de tentar melhorar seu acesso ao mundo do trabalho, mas também a postos de saúde, moradias adequadas, abrir uma conta bancária, casar ou registrar filhos.

Estimativas da Organização das Nações Unidas apontam que milhões de pessoas no mundo se encontram nessa situação, precária e indigna em relação aos Direitos Humanos.

Muitos deles são refugiados, as pessoas que se encontram fora do seu próprio território nacional em função de perseguições e violências, que requerem proteção internacional com base na Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados, existente desde 1951.

Ao longo da história humana, migração se repete, com variada frequência e intensidade, em função de invasões, fome, territórios em conflito, superpopulação; e atualmente antigos motivos permanecem: xenofobia, discriminações, tráfico de seres humanos, procura por trabalho, catástrofes naturais, intolerância.

Cada vez mais se torna complexo saber quantas pessoas se deslocam a cada ano, entretanto um relatório da ONU registra que “cada ano mais de cinco milhões de pessoas cruzam fronteiras para viver em um país desenvolvido. O número de pessoas que se deslocam para outro país em busca de melhoria de vida, e mesmo dentro de próprio país, é muito maior embora seja difícil sabermos com precisão os números exatos”.   

Ainda mais difícil é saber quantos destes deslocamentos são por períodos temporários ou em definitivo, o que torna intrincada uma boa gestão de serviços e equipamentos públicos, mesmo para dirigentes bem-intencionados. Questões como necessidades de escolas, aumento de segurança, necessidade de creches ou hospitais, todas dependem da população em suas diversas faixas etárias.

O aumento da população de rua, mazela cada vez mais frequente nas cidades de grande ou médio porte, é em parte reflexo desta migração muitas vezes forçada, pessoas que não encontram mais seus meios tradicionais de subsistência nos locais de origem e buscam a sobrevivência onde lhes parece possível. Infelizmente encontram as portas do mercado de trabalho fechadas por falta de qualificação e, mais terrível ainda, não veem por parte de governos nenhum esforço para lhes facultar esta qualificação. Catástrofe humanitária, educacional e profissional.

Aqui no Brasil esforços tem sido feitos por unidades de ensino superior às suas expensas, como oferecer cursos de língua portuguesa para imigrantes, propiciando alguma oportunidade de trabalho legalizado, mas alguns deles não são alfabetizados em nenhum idioma, o que dificulta o trabalho dos professores.

Outro bloqueio para um auxílio mais eficaz vem da redução dramática das verbas que tem sido alocadas às universidades, o que diminui sensivelmente suas atividades extensionistas, deixando os despossuídos cada vez mais sem assistência.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.