BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Quatro anos depois, Ayotzinapa continua sendo, como à época disse o escritor Fernando del Paso, "um dos nomes desses vilarejos mexicanos que só aprendemos porque lá ocorreu uma tragédia".

O pior é que essa tragédia chega a seu quarto aniversário ainda como uma saga em aberto, um crime sem solução. 

Na noite de 26 de setembro de 2014, a polícia municipal da cidade de Iguala, no estado de Guerrero (sudoeste), desviou os ônibus em que viajavam estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa (vilarejo a 200 km dali), a maioria adolescentes. 

Na interceptação, houve um tiroteio, em que morreram no local nove pessoas. Depois, os ônibus, levados pelos policiais, deixaram o local. Tudo o que ocorreu a partir daí é incerto, está em investigação, ou são informações que, depois de comprovadas, foram negadas ou relativizadas. 

Desapareceram os ônibus e os 43 estudantes que viajavam neles. Os únicos restos mortais encontrados meses depois, por equipes forenses internacionais, foram os de Alexander Mora Venancio e Jhosivani Guerrero de la Cruz.

Protestos tomaram conta do país, pedindo a renúncia do presidente Enrique Peña Nieto (PRI). Num país acostumado a mortes em massa e com a descoberta de fossas coletivas que geralmente são resultado dos confrontos entre Exército, cartéis e de cartéis entre si, a tragédia de Ayotzinapa ganhou uma projeção internacional jamais vista.

"O governo contava com o fato de que tantas tragédias envolvendo narcotráfico já eram tão comuns e correntes no México, que não reagiu rápido, até que percebeu que as câmeras e olhares do mundo inteiro estavam direcionados para cá", diz à Folha de S.Paulo Ioan Grillo, jornalista britânico radicado no México e autor de livros sobre violência.

Diante da pressão internacional, o governo aceitou a vinda de especialistas forenses da Áustria e da Argentina (que possui uma das principais entidades para reconhecimento de corpos, a Equipe de Antropologia Forense), além de ajuda de inteligência de outros países europeus.

Ao final, o resultado para Peña Nieto foi catastrófico. A versão do governo foi de que os meninos haviam novamente sido sequestrados, dessa vez pelo cartel Guerreros Unidos, e levados a um lixão na localidade de Colula, onde teriam sido mortos. 

A investigação local admitia, porém, que a participação dos narcotraficantes poderia ter sido acionada pelo próprio prefeito de Iguala e sua mulher, que foram presos.

Já as investigações independentes mostraram outra coisa: que o prefeito e a mulher tinham tido papel mais ativo, envolvendo até mesmo o Exército na entrega dos garotos para o cartel, e o próprio casal chegou a ser preso e continua sob investigação.

Depois, o relatório dos forenses estrangeiros, lido diante das autoridades federais, concluiu que não havia maneira de tantos corpos terem sido queimados naquele local: eram muitos, fariam muito barulho e deixariam muitos vestígios que não foram encontrados. Além do que, na noite em questão, terem ocorrido fortes chuvas.

"Seja qual for o desenlace, mesmo que não fiquemos sabendo em detalhe, temos em Ayotzinapa uma combinação de fatos que é simbólico do que o México é hoje. Um país em que as autoridades locais estão nas mãos dos traficantes, ou porque financiam suas campanhas ou porque são eles mesmos os comandantes, e uma corrupção do Exército e a polícia que atua localmente e que simplesmente tem garantia de permanecer impune", diz Grillo.

Os estudantes estavam indo para a Cidade do México, para participar das comemorações do Massacre de Tlatelolco, ocorrido em outubro de 1968, quando as Forças Armadas, a mando do presidente Díaz Ordaz (PRI), dissolveram um protesto estudantil causando centenas de mortes.

Para Ioan Grillo, a tragédia de Ayotzinapa, além da desaparição dos garotos, abalou muito a imagem de Peña Nieto. "Até então, em seus primeiros dois anos, ele tinha conseguido baixar a taxa de homicídios e parecia estar lidando melhor com o problema da guerra contra o narcotráfico do que seu antecessor (Felipe Calderón)", diz Grillo. 

"Porém, depois disso, os detalhes do caso expuseram de forma mais aberrante a corrupção dos financiamentos locais de campanha e o quanto o Exército e a polícia, regionalmente, estavam corrompidos. Portanto, qualquer investigação era praticamente impossível."

Peña Nieto tentou alternativas, como associar-se às chamadas "polícias comunitárias", ou seja, milícias civis, como no caso de Michoacán. Mas nada disso reduziu a violência, sendo que em 2017, o México voltou a ter um número recorde de assassinatos, superando uma marca de 20 anos atrás, 27.199 mortos.

O aniversário da tragédia também deixa um ponto de interrogação sobre o que virá depois que, em 1 de dezembro, o novo presidente, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, assuma. 

Seu plano de governo fala em unificar os comandos das Forças Armadas e realizar reuniões diárias. Porém, isso apenas parece uma mudança de procedimentos formais, não de ações.

Também surgiu, entre os integrantes da nova cúpula, a ideia de formar uma comissão da verdade só para Ayotzinapa. Isso, porém, parece mais um gesto do que uma ação com consequências práticas. Para isso, afinal, já existe a Justiça.

A Anistia Internacional lançou nesta semana um documento pedindo que o caso não seja "engavetado", pois os familiares ainda estão sem respostas. 

"Depois de quatro anos tentando encobrir os fatos, é pouco provável que a atual administração tome os passos necessários para resolver o caso. O governo que entrará em dezembro tem, portanto, o grande desafio de tomar as medidas necessárias para mudar o rumo e assegurar os direitos à verdade, a justiça e a reparação das vítimas", disse uma das porta-vozes da entidade, Tania Reneaum.