SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Tribunal de Justiça de São Paulo assiste a uma briga de cachorro grande. Talvez os cães não sejam lá tão grandes, mas de fato brigaram feio. E, agora, uma magistrada decidirá qual deles infringiu as regras de convivência pacífica de um condomínio.


Tudo aconteceu em outubro do ano passado em um edifício de luxo da Vila Leopoldina, zona oeste da capital, no espaço do condomínio destinado ao lazer dos animais ali residentes, um “cachorródromo” batizado de Dogwalk.


De acordo com a ação judicial, a vítima é um cachorro da raça american bully chamado Blue, que apesar de um jeitão de pitbull, dada sua robustez e cara feia, é “absolutamente manso e carinhoso”, segundo seus representantes humanos na ação judicial.


Contam eles que Blue estava no cachorródromo quando chegaram ali outros dois cães, estes “sem raça definida”, chamados Henry e July, “extremamente bravos, possuindo, inclusive, histórico de agressão a outros cães no condomínio”, segundo o texto. Sem motivo, os dois partiram para a ignorância.


Sem jeito para brigas, Blue nem teria conseguido reagir, tornando-se, assim, presa fácil dos ex-cães de rua.


O cão acabou com alguns ferimentos e precisou ser submetido a uma cirurgia em uma das patas, intervenção que custou aos donos um valor em torno de R$ 9.000, incluindo os remédios, segundo a ação.


Os representantes da vítima afirmam que isso só aconteceu porque o dono desses dois cães “sem raça definida” não respeitou as regras do Dogwalk, que são claras. O local é dividido em duas partes. Na primeira, os animais dóceis podem brincar ali livremente.


Já o segundo estágio é reservado para os animais bravos ou aqueles cujos donos têm “dúvidas sobre seu comportamento com outros animais”.


É obrigatório o uso de guia curta e focinheira para animais assim classificados, incluindo quando passam do primeiro ao segundo espaço, cuidados que não teriam sido tomados pelo dono dos vira-latas, réu na ação.


“O dono deles, sem observar as regras condominiais e o dever de cautela, entrou no espaço reservado a cães dóceis e soltou, sem focinheira, os animais, que imediatamente avançaram sobre o cão da autora, atacando-o, provocando nele ferimentos graves, inclusive de ordem permanente, além de lesões corporais na autora”, diz ação.


Além das despesas veterinárias, a dona de Blue, a advogada Valéria Patrícia Miranda Marques, pede que a Justiça condene o dono dos vira-latas ao pagamento de R$ 10 mil pelo dano permanente no animal –valor que o cachorro teria custado– e outros R$ 40 mil por danos morais.


Já o empresário espanhol Carlos Jose Calderon Sund, dono dos cães “sem raça definida”, diz que seus animais são de fato vira-latas resgatados das ruas, mas que receberam dele “lar e carinho, bem como tratamento adequado com todas as vacinações”.


Na defesa dos animais na Justiça, o empresário admite que os dois, ao avistarem Blue, saíram na direção dele e se “estranharam” por 16 segundos, tempo insuficiente, na versão dele, para ocorrer tamanho estrago no corpo da vítima, como alega sua dona.


“Importante salientar que a recuperação dos animais é totalmente diversa do ser humano, e mais, a lesão ocorrida no joelho direito do cachorro da autora, poderia ser preexistente, curial que em apenas 16 segundos tenha ocorrido tamanha lesão capaz de ocasionar abalo emocional em toda família”, diz em defesa.


O dono de Henry e July também alega que, pela própria característica de Blue, era ele quem deveria usar uma guia curta e focinheira e, ainda, ficar no segundo estágio com portão fechado, como todo cão feroz.


Para convencer a Justiça sobre o perfil de Blue, ele usa informações do Wikipedia para dizer que ele é derivado do cruzamento de raças como o pitbull, “ou seja, raça elencada no rol de animais que devem utilizar obrigatoriamente os equipamentos de segurança”.


“Diante disso, resta demonstrado a negligência da autora em não utilizar os equipamentos de segurança, deixando o portão aberto do 2º estágio, dando causa a lesão ocorrida em seu cachorro”, alega os advogados do empresário.


O processo está nas mãos da juíza Ana Luiza Madeiro Diogo Cruz para decisão.


O adestrador e especialista em comportamento animal, Cleber Santos, da empresa Comportpet, diz que a raça american bully é nova no Brasil –tem cerca de três anos–e se trata de uma das mais dóceis existentes. Até por isso, não necessita usar guia.


“Ele é sim originário do pitbull, mas só na questão muscular. Não conheço nenhum american bully que já treinei que se tornou agressivo. Ele é superdócil, de verdade.”


Falando em tese, Santos diz que os ataques de vira-latas são comuns quando são adotados e superprotegidos pelos donos, que não impõem limites a eles. “Isso é problema de socialização e culpa dos donos, que não fazem um processo, que acham que os cachorros deles são sempre bonzinhos. Isso é bem comum com cães adotados.”


Santos diz ainda que, para evitar esse tipo de briga, os proprietários de cães não podem fazer passeios apenas nos finais de semana. E, quando saírem, não devem soltá-los sem controle onde existam outros animais. “Entre com o cão na coleira, deixe-o cheirar todos os outros animais, e só depois de uns 10 a 15 minutos você avalia se tira a coleira ou não. O cão vem muito empolgado de casa e pode provocar uma briga ainda que não queira.”


O especialista declara não concordar com a divisão de espaços entre cães mansos e bravos. Para ele, é importante ter separação entre cães pequenos (até cinco quilos) dos outros. Se o cão for bravo, Santos aconselha um trabalho para alterar esse perfil para que ele possa frequentar aquele espaço.