Quando vim morar em Recife, já aos 13, passava horas com meus primos de então 9 e 7 entre bonecos e ´a gente mesmo´. Era como chamávamos as brincadeiras sem brinquedos. Bora brincar? Bora. De brinquedo ou de a gente mesmo? Na segunda categoria, eu gostava de brincar de cidade. Era assim, cada um tinha o trabalho, a vida, a casa e a família que escolhia. Acordava-se, saia-se pra trabalhar, voltava-se no fim da noite, ganhava-se o dinheiro de papel que nós mesmos desenhávamos. Um ensaio capitalista bem literal, só que menos triste. 

Eu gostava de ser dona de loja. Na minha cabeça, a loja que eu encenava era a de Dona Luze, uma espécie de Mesbla em pequena escala que frequentávamos em Garanhuns. A Mesbla de Garanhuns era na verdade a Pérola Joia, mas a Luzes também tinha roupas, aviamentos, cobertores daquele que vem numa caixa de papelão, lenços e um tantinho de papelaria, embora eu possa ter inventado essa parte.

Na brincadeira, eu acordava, dava bom dia ao marido e aos filhos imaginários, alcançava a chave e seguia para a Robertas ouvindo notícia no rádio do meu carro. Andava dois passinhos fazendo barulhos de motor e passava a atender meus clientes de moda, cama, mesa e banho, com sotaque carioca – porque sempre fui uma carioca em qualquer brincadeira da vida. Olá dona Fulana, sim, sim, temos o M, mas a senhora veste P, não veste? Já viu os vestidos de festa, chegaram ontem. Um momento senhor, temos lenço azul, claro, já pego para o senhor no estoque, dito com muitos Xs e OU no meio da palavra, bem carioca.

Pois bem, descobri há alguns meses um lugar parecidíssimo com a Luzes pertinho da minha casa. Umas quatro quadras, exatamente a distância entre a casa da infância e a loja que admirei secretamente nos anos de Garanhuns. Para cada vez que disse que seria arquiteta, professora ou veterinária, pensei caladinha que estaria ocupada com as clientes e o exxtouque. É igualzinha, tem agulha, lã, caneta, calcinha, pijama, fita de cetim, vestido e cobertor na mesmíssima caixa.

Semana passada estive lá num dos mínimos intervalos entre sessões do pré-férias. Foram dias cheios. A semana que atecede a pausa de meio de ano costuma ser corrida, sessões extras são agendadas, avisos muitos dados. Um preparar-se para estar ausente que me põe cansada. Eu tinha vinte minutos para almoçar e dar conta dos itens faltantes das mala. Apressada e cheia de culpa. Será que dá mesmo pra me ausentar do consultório agora?

Dei com a porta fechada e um bilhete escrito à mão:“Férias. Até a volta”. Rapaz, um comércio, no meio da rua, fechado para as férias. Que tal? Eu andei mais um pouquinho e consegui o que queria como devem ter feito os demais que leram o recado, como farão os analisandos quando eu estiver fora. Essa mania da gente de sentir tão importante, não é? Boa semana, queridos.

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