Condenado pelo Tribunal do Santo Ofício, entre 1802 e 1805, o diplomata brasileiro Hipólito José da Costa ficou preso em Lisboa, vítima da odiosa inquisição. Auxiliado pela maçonaria, fugiu para Londres, onde editaria de 1808 a 1822 o primeiro jornal brasileiro: “Correio Braziliense”. Morreu na Inglaterra em 1823 e somente em 2001 os seus restos mortais foram trasladados para o Brasil. No longo exílio nunca deixou de pensar no futuro brasileiro. É o patrono da cadeira 17 da Academia Brasileira de Letras. Em 1808, profeticamente, advertia: “Só a prosperidade do povo é quem faz a prosperidade do governo, que quando se põem obstáculos, e entraves ao progresso e propagação das ciências, devem ficar tão raros os homens sábios, que quando o governo precisa deles, não os acha; e vê-se obrigado ou a lançar mão de um homem instruído, mas sem moral; ou de um homem bom, mas estúpido e ignorante, e quanto menor é o número de gente instruída, menos probabilidade há de que o Estado seja servido por homens virtuosos e sábios.”
A lembrança do grande brasileiro ocorreu quando lia a série de textos do jornal “O Estado de S.Paulo”, sobre “Os donos do Congresso”. Retrata os descaminhos de vida política nacional e a deformação corporativa na representação popular. Anteriormente, o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa, demonstrava que entre os brasileiros que chegaram à Universidade, somente 22% são integralmente capazes. E mais: metade da população despreza a cultura e 30% nunca compraram um livro. Em contrapartida, entre os usuários de redes sociais ocupamos posição de liderança, fomentando uma sociedade iletrada, em que a leitura e o conhecimento sólido são desprezados. Em “Os donos do Congresso”, essa realidade fica demonstrada.
Ao invés de partidos políticos, meros cartórios para registro de candidaturas, a força absoluta nos atos de legislar são das corporações que defendem os seus privilégios. Proliferam as frentes parlamentares impondo os seus próprios interesses, bloqueando reformas modernizantes e impedindo o avanço da sociedade buscando a construção de uma nação menos desigual. A Frente Parlamentar da Agropecuária tem 210 deputados federais e 26 senadores. A afirmação da sua presidente, deputada Tereza Cristina, é autoexplicativa: “Quando o tema é de interesse do agronegócio, nós vamos pra cima.” Setor importante para economia brasileira, o seu valor bruto na produção agropecuária fica em torno de R$ 552 bilhões. Em 2017, o PIB (Produto Interno Bruto) na soma de tudo que foi produzido no País, foi de R$ 6,6 trilhões.
A Frente Parlamentar Mista em Defesa do Servidor Público reúne 196 deputados federais, dos quais 132 são funcionários públicos. De acordo com o IBGE existem em todos os níveis, 11,5 milhões de empregados no setor público, representando 5,5% da população. O seu perfil foi expressado pelo deputado Arthur Maia, relator da fracassada reforma da Presidência: “É o lobby mais poderoso que tem o Brasil, sem nenhum pudor de defender privilégios. Na Comissão da Reforma da Previdência eles defendiam o mais pobre, mas no meu gabinete só defendiam os seus salários.”
Em sintonia diferente, em que a prioridade inexiste para o debate econômico, a Frente Parlamentar Evangélica é constituída por 182 parlamentares de diferentes denominações cristãs. Nela a ascensão dos neopentecostais dos bispos e apóstolos da Universal (Edir Macedo); Internacional da Graça de Deus (R.R.Soares); Mundial do Poder de Deus (Valdemiro Santiago) e outras igrejas que têm por objetivo bloquear iniciativas contra os valores cristãos. Os valores temporais contudo não são desprezados e atualmente se empenham na isenção de pagamento de IPTU a templos alugados. Igualmente isenções tributárias para templos e atividades religiosas. O pesquisador Fábio Lacerda considera que “para essas igrejas, ter um representante político é um capital importante.”
Outras frentes, destacadamente a chamada bancada da bala, existem e atuam com grande desenvoltura no Congresso Nacional. E serão os grandes protagonistas na próxima eleição parlamentar. Imaginar renovação substantiva no legislativo em 2018, ante essa realidade, é sonho de verão. Só nos resta, infelizmente, meditar nas palavras de Hipólito José Costa, acreditando no futuro. São atualíssimas.  

Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica. Foi Deputado Federal (1978-1991)