Dos 513 deputados federais, apenas 54 (10,5%) são mulheres, o que coloca o Brasil em 152º lugar numa lista de 190 nações, formulada pelo organismo internacional União Interparlamentar. O porcentual de profissionais do sexo feminino que ocupam cargos gerenciais no País é de 37,8% – o que cai para 34,5% quando elas são pretas e pardas.
Os dados são da pesquisa Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil, divulgada pelo IBGE ontem em razão do Dia Internacional da Mulher, celebrado hoje. A publicação compila dados de diferentes fontes que comprovam a persistência da desigualdade de gênero na sociedade brasileira.
Na lista que trata da representatividade das mulheres nas câmaras baixas ou parlamentos unicamerais pelo mundo, estão na frente do Brasil países de diferentes perfis econômicos e sociais, como Ruanda (61,3%) – o número um, com mais mulheres deputadas -, Cuba (48,9%), Nicarágua (45,7%), Suécia (43,6%), Argentina (38,1%) e Estados Unidos (19,4%). O País tem cotas para mulheres nas candidaturas – a lei diz que cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. Mas não há tanto apoio financeiro às candidatas femininas, então poucas se elegem, avalia o IBGE.
Salário – Em relação às disparidades no mercado de trabalho, a publicação mostra que as mulheres ganham em média três quartos do salário dos homens, se ocupam mais de trabalhos com carga horária parcial e têm trabalhos por conta própria, uma vez que são sobrecarregadas por serviços domésticos e cuidados com filhos e idosos – a dedicação a essas tarefas é de cerca de 73% a mais de horas do que os homens. São conclusões da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, de 2016.
As trabalhadoras recebem cerca de 75% do salário masculino. O rendimento habitual médio mensal entre eles é R$ 2.306; entre elas, R$ 1.764. Isso acontece ainda que a escolaridade feminina seja mais elevada.


PESQUISA

‘Mulher não se vê ligada à política’

Com parte das medidas de combate à desigualdade de gênero na política, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) lança hoje um curso de formação política para mulheres. Segundo a superintendente de Comunicação da UFPR, Luciana Panke, pesquisadora da área e professora do curso de pós-graduação em Ciência Política, a predominância dos homens não é esclusividade do Paraná ou do Brasil.
Ela relaciona quatro principais fatores: cultural, tendo em vista o papel da mulher na sociedade; partidário, pois partidos boicotam investimentos em candidaturas femininas; resistência das próprias mulheres, que veem na política um ambiente ‘sujo’; e familiar, já que as mulheres não conseguiriam consiliar a liderança com tarefas atribuidas a elas em sociedade.
A questão cultural, na qual se atraiu a população em geral, cargos de liderança ainda são reservados a figura masculina. A figura feminina está atrelada à maternidade e a cargos de subordinação. Várias das entrevistadas nessa minha pesquisa falaram que quando estavam em campanha escutavam na rua, de outras mulheres, inclusive, ‘olha, você é muito legal, só que política não é lugar para mulher’. A sociedade ainda determina quais sãos os lugares tanto para homens quanto para mulheres, conta.
Entre as entrevistadas para a pesquisa, muitas relataram preconceito. A mulher, ela mesma, não se vê ligada à política. O sistema é relacionado como ‘sujo’, ‘corrupto’, e a figura feminina muitas vezes é relacionada à pureza, à honestidade, etc. E elas não se veem nesse hall por achar que vão manchar a própria imagem, que não querem ‘entrar no esquema’, contata.
Outro fator está dentro dos próprios partidos. A mulher que se engaja em um partido está lá para fazer mobilização, chamar para encontros, mas fica no fundo da sala organizando o café, coisas que acham que é ‘serviço de mulher’, coisa beneficente, que tem esteriótipo’. Não estão nas diretorias. Uma das queixas recorrentes dessas mulheres é que não recebem apoio financeiro para as campanhas, nem treinamento, afirma.
Somando esses fatores à família. Se ela é casada, tem companheiro, nem sempre esse homem apoia essa decisão e acabam terminando o relacionamento. Como a campanha também é moldada em um horário masculino, já que atribuisse a ela a maternidade também elas não conseguem participar dos jantares à noite, etc, conclui.


MANOBRA

Mudança ‘diluiu’ participação das mulheres na eleição

Narley Resende
A pesquisadora Eneida Desiree Salgado, professora do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná, analisou os projetos de incorporação das cotas de candidaturas. Segundo ela, com a reforma política, houve um aumento da possibilidade de apresentação de candidatos em geral. Antes, por exemplo, para as 30 vagas para deputado federal no Paraná cada partido só podia apresentar 30 candidatos, e quando vieram, primeiro, as ‘reservas’ de vagas para mulheres, primeiro de 20%, depois de 30%, foi para 120% (o total). Ou seja, os 20% de mulheres já ficaram fora dos 100% de candidatos competitivos e depois, quando foi a 30% (de cota de gênero), foi para 150% a possibilidade de apresentação de candidatos em relação às vagas. Ou seja, pode-se fazer a leitura de que as mulheres acabaram sendo incorporadas a essas vagas extras, por assim dizer. Já não estavam na competição dos 100% das vagas, aponta a pesquisadora.
Para Desiree, a cota simplesmente acompanhada de um número total limite para candidaturas ainda não seria suficiente para resolver o problema. Dificilmente um partido vai conseguir tantas vagas assim para se tornar relevante os 30% de mulheres, mesmo com 100% de candidatura, melhoraria a situação atual, mas não resolve a exigência de paridade que é uma demanda de justiça. Minha proposta é que se adote não mais cotas de candidatura e sim cotas de representação. Ou seja, nós calcularíamos quantas vagas cada partido teria direito a partir do quociente eleitoral e do quociente partidário e metade dessas vagas seriam ocupadas por homens e metade por mulheres, propõe.
Desigualdade – A pesquisadora acredita que a realidade brasileira demanda uma política pública temporária para garantir a igualdade de representação. Se o partido A ganhasse seis vagas não seriam mais apenas os seis mais votados e sim as três mulheres mais votadas e os três homens mais votados. Obviamente que isso traz algumas considerações a respeito do princípio da igualdade, mas é a premissa de toda ação afirmativa. Em face de uma desigualdade real se coloca uma desigualdade jurídica, obviamente temporária. Seria uma política pública não permanente para vencer essa desigualdade, conclui.