RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O edifício tem 68 anos, ele só tinha 14. O edifício fica na zona sul, ele morava na zona norte do Rio de Janeiro. O edifício tem paredes que lembram mármore, ele dormia em uma casa de tijolos à mostra, no mesmo cômodo que os pais e a irmã.

Marcos Vinícius da Silva, morto nesta quarta (20), após ser baleado enquanto ia para a escola, durante uma operação da Polícia Civil e do Exército no Complexo da Maré. Outras seis pessoas morreram.

Ele foi velado na tarde desta quinta (21) no Palácio da Cidade, em Botafogo, prédio pomposo de 1950 da prefeitura. Ali também foram velados o vice-prefeito Fernando Mac Dowell, em maio, o ex-prefeito Luiz Paulo Conde, em 2015, e o arquiteto Oscar Niemeyer, em 2012.

De chinelos e calca legging, a diarista Bruna Silva, mãe de Marcos Vinícius, foi uma das primeiras a chegar, ao lado do marido, José Gerson, da outra filha, de 12 anos, e de sua mãe.

Ao fundo, ouviam-se gritos de crianças no horário da saída da Escola Alemã Corcovado, colégio particular bilíngue próximo ao Palácio da Cidade. Na Maré, todas as 44 escolas, com 17.012 alunos, ficaram fechadas nesta quinta.

Durante o velório, Bruna ergueu o uniforme manchado de sangue na altura do abdômen, que Marcos Vinicius usava quando foi baleado.

“Essa é a bandeira do meu filho, é com ela que eu vou fazer justiça”, disse, em tom de voz alto. “Quem fez isso não foi a polícia despreparada, foi um policial despreparado.”

Mais cedo, no IML, Bruna criticou a ação na Maré. “Onde bandido carrega isso? Bandido não carrega mochila! Olha o armamento dele [se referindo aos cadernos do estudante]. Isso aqui é arma? Eles entram na comunidade para destruir famílias”, disse, mostrando o material escolar do filho.

A família afirma que o tiro que matou o garoto partiu de um veículo blindado, e não do helicóptero que sobrevoou a Maré naquela manhã fazendo disparos, o “caveirão voador”.

“Ele falou ‘eu sei quem atirou em mim, eu vi quem atirou em mim, foi o blindado mãe, ele não me viu com a roupa de escola'”, contou Bruna, que encontrou o filho ainda consciente no pronto-socorro para onde foi levado por vizinhos.

A Polícia Civil fez uma perícia no local do crime e informou que só vai se manifestar após o laudo definitivo.

O chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, porém, disse à Globonews que o tiro não partiu do helicóptero. A trajetória do tiro não foi de cima para baixo, e sim “paralela ao chão”, segundo indicou perícia preliminar.

No velório, Bruna também disse que a ambulância que foi buscar Marcos Vinicius naquela manhã foi impedida por policiais de entrar na favela e só foi liberada após ordens superiores.

“Quando ela chegou, já tinha passado uma hora. Antes meu filho estava lúcido, bem, só que quando ela chegou ele já tava roxo, pálido, gelado.”

Marcos Vinicius foi transferido depois ao Hospital Estadual Getúlio Vargas, onde passou por cirurgia, mas não resistiu e morreu à noite.

A ONG Rio de Paz contabilizou ao menos 50 crianças de até 14 anos mortas por balas perdidas no estado desde 2007. A grande maioria delas morava em favelas. Neste ano, já foram oito.