RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Se a vitória de Jair Bolsonaro (PSL) foi tão bem metaforizada como um tsunami, a imagem que vem agora à cabeça do cientista político Jairo Nicolau é a do refluxo: quando, depois de uma onda gigantesca, as águas retornam.


Por isso é cedo para falar em bolsonarismo, disse o professor da FGV-RJ nesta quinta-feira (23), na aula “As bases sociais do bolsonarismo”, promovida pela escola de ciências sociais da instituição.


Desacreditada por boa parte da academia até se tornar incontornável, a chegada de um deputado até então circunscrito ao baixo clero do Congresso para o mais alto cargo do país foi de fato “espetacular, surpreendente”, reconhece o professor.


Mas a queda acentuada de sua popularidade num período tão curto, e também a postura cautelosa de outros políticos com o governo e o PSL, o partido até então nanico que o presidente agigantou, podem parear o bolsonarismo a um voo de galinha.


Algo mais próximo do que Fernando Collor representou para o Brasil três décadas atrás. “A gente poderia ter falado do collorismo, a vitória do outsider que implementou políticas desastradas. Ele sumiu.”


O país, segundo Nicolau, “tem uma cultura de tentar enlaçar movimentos pelo nome de suas lideranças”, do varguismo ao lulismo.


A cada dia que passa, contudo, “fica mais remoto o desenho do bolsonarismo virando um movimento, um partido orgânico da direita brasileira”.


Quando ficou claro que Bolsonaro vestiria a faixa presidencial, o acadêmico imaginava que “aquele fenômeno tão espetacular, um cara com essa força, com dinheiro na mão [de fundo partidário]”, teria de tudo pra alcançar até 80 deputados, com a adesão de parlamentares entusiasmados com seu projeto. Mas não.


“Ninguém quer ir para aquele lugar. Por quê? Estão vendo alguma coisa ali”, afirma Nicolau. Hoje o PSL tem 54 deputados em exercício.


A base aliada assiste a brigas dentro do próprio PSL, desavenças entre as alas militar e olavista no governo e rusgas com ex-aliados nas eleições como o MBL (Movimento Brasil Livre).


Nicolau aponta que Bolsonaro não criou o conservadorismo verde-amarelo. Está mais para o contrário. “O Brasil ficou conservador antes do bolsonarismo. A gente está observando isso. Sou de uma geração em que direita não vendia livro. Bom, Bolsonaro chegou, conseguiu capturar esse mundo.”


Pela primeira vez, diz o professor, um presidente vence sem ganhar no chamado Brasil profundo, um eleitorado com menos escolaridade e de cidades pequenas.


Dá inclusive para relativizar a alcunha de “Trump tropical”, como Bolsonaro foi chamado pela mídia internacional. O presidente Donald Trump, afinal, teve farto apoio do eleitor mais pobre dos EUA.


Também levou o pleito sendo repelido por boa parte das mulheres, ainda que no fim ele tenha ganhado no segmento. “Não há exemplo de nenhum candidato que tenha diferença tão grande entre voto masculino e feminino.”


Se é precoce falar em bolsonarismo, também o é anunciar seu funeral. Os meses seguintes dirão se o presidente consolidou uma base fora do núcleo mais à extrema direita que o apoiará.


É preciso ainda, diz Nicolau, atentar ao fenômeno psicológico do eleitor que reluta em “reconhecer tão rapidamente que fez uma besteira” ao respaldar alguém que, no fim, pode ter se revelado uma decepção.


Nessa hora, seu colega na FGV Carlos Pereira pede a palavra: “Até hoje o PT não conseguiu fazer isso”. Risos na sala.