BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente Jair Bolsonaro (PSL) manteve o silêncio pelo terceiro dia seguido sobre o vazamento de mensagens com diálogos entre o ministro Sergio Moro (Justiça) e o procurador líder da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, nas quais eles trocam avaliações sobre as investigações.


Na contramão do que fizeram alguns aliados e familiares –que falam em uma ação orquestrada contra o ex-juiz e a Lava Jato–, Bolsonaro se recusou a comentar o tema: encerrou uma entrevista de forma abrupta ao ser questionado sobre Moro e, em discurso, chegou a citar nominalmente outros cinco ministros, mas não o titular da Justiça.


Uma manifestação pública sobre Moro era esperada em parte do governo especialmente depois de o presidente ter se reunido com o ex-juiz na manhã desta terça (11).


Na segunda-feira (10), o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, disse que Bolsonaro aguardava um encontro presencial com o ministro. Na ocasião, o porta-voz disse apenas que “jamais” se discutiu a demissão de Moro.


Sob desgaste, o ministro acabou aceitando ir à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado na próxima quarta (19) para prestar esclarecimentos ao Congresso.


Em Brasília, onde participou de evento da Marinha ao lado do ex-juiz, Bolsonaro chegou a acenar para jornalistas, mas não quis parar para falar.


À tarde, em São Paulo, interrompeu uma entrevista ao ser questionado sobre os vazamentos envolvendo Moro. “Está encerrada a entrevista, ok”, disse após responder pacientemente outras quatro perguntas sobre reforma da Previdência ao lado do governador João Doria e do ministro da Economia, Paulo Guedes.


Mais tarde, discursou na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), reclamou de pressões que sofre no cargo, disse respeitar o Congresso, citou Guedes e outros quatro ministros, mas manteve silêncio sobre Moro.


“Poucos resistiriam às pressões que tenho enfrentado naquela cadeira presidencial. Mas, quanto maiores as pressões, mais vontade eu tenho de continuar”, afirmou à plateia de empresários.


Moro e Bolsonaro tiveram um encontro reservado na manhã de terça que não constava nas agendas oficiais. Foi o primeiro desde a publicação das mensagens, no domingo, pelo site The Intercept Brasil, que aponta a colaboração entre o então juiz e procuradores em processos da Lava Jato.


A reunião entre Bolsonaro e o titular da Justiça durou cerca de 20 minutos. De lá, ministro e presidente compartilharam o mesmo barco, atracado às margens do Lago, até um evento na sede náutica do Clube Naval. Lá, Moro foi condecorado com a Ordem do Mérito Naval. Embora tenham permanecido lado a lado durante toda a cerimônia, não houve nenhum outro aceno em sinal de apoio ao ministro por parte de Bolsonaro.


Apenas Moro comentou o encontro por meio de nota divulgada por sua assessoria.


Segundo o comunicado, Moro e Bolsonaro tiveram uma conversa “tranquila” sobre “a invasão criminosa” de celulares de juízes, procuradores e jornalistas. O texto enviado pela assessoria de imprensa diz que “o ministro rechaçou a divulgação de possíveis conversas privadas obtidas por meio ilegal e explicou que a Polícia Federal está investigando a invasão criminosa”.


“O ministro fez todas as ponderações ao presidente, que entendeu as questões que envolvem o caso”, afirmou a equipe de comunicação de Moro.


Aliados do presidente tentam blindá-lo da crise contra o ex-juiz, que foi escolhido por ele para ocupar o que seria um “superministério”, abarcando inicialmente Justiça, Segurança Pública e Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).


A ideia foi enfraquecida depois que o governo teve de aceitar pressão de parlamentares, que transferiram o Coaf de volta ao Ministério da Economia para garantir a aprovação da atual estrutura ministerial.


Assessores palacianos aguardam com apreensão a possibilidade de que novos conteúdos das mensagens trocadas pelo então juiz e procuradores da força-tarefa da Lava Jato sejam divulgados pela imprensa. Por isso, como não se conhece o teor das conversas, a ordem é manter cautela e blindar o presidente da crise.


Já Moro tenta minimizar seu desgaste. Ele se ofereceu para ir à CCJ do Senado para prestar esclarecimentos devido à avaliação de que o colegiado da Casa é um território menos hostil do que a Câmara.


Ao se oferecer para ir voluntariamente ao Senado, Moro quis evitar sua convocação e, com isso, tenta esfriar o clima para a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar possíveis irregularidades em seu comportamento na Lava Jato.


Na terça, ele foi ao Congresso almoçar com senadores do centro, que integram legendas como DEM, PL (ex-PR) e PSC. Cercado por seguranças, não atendeu a imprensa.


A crise em torno da conduta de Moro como ex-juiz da Lava Jato veio à tona no último domingo (9), quando a The Intercept Brasil publicou conversas entre ele e Dallagnol que mostram que os dois trocavam avaliações sobre a operação quando o ministro ainda era magistrado do caso.


Moro foi o juiz responsável pela operação em Curitiba. Ele deixou a função ao aceitar o convite do presidente, em novembro, após a eleição.


O site informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram, de 2015 a 2018. Seus editores publicaram que novos conteúdos devem ser divulgados em breve, o que pode incluir vídeos, áudios e fotos.


Nas conversas privadas, membros da força-tarefa fazem referências a casos como o processo que culminou com a condenação do ex-presidente Lula (PT) por causa do tríplex de Guarujá.


Preso em decorrência da sentença de Moro, Lula foi impedido de concorrer à Presidência na eleição do ano passado. A sentença de Moro foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e depois chancelada também pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), que reduziu a pena para 8 anos, 10 meses e 20 dias de prisão.