Agência Brasil

BRASÍLIA, DF, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O presidente Jair Bolsonaro (PSL) divulgou, na manhã desta segunda-feira (29), um vídeo em que desautorizou o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, a incluir igrejas na cobrança de um novo tributo que acabaria com a contribuição previdenciária que incide sobre a folha de pagamento.

Cintra detalhou a cobrança em entrevista à Folha de S.Paulo.

Em uma mensagem de 41 segundos, Bolsonaro disse que havia sido surpreendido pela declaração e reforçou que nenhum imposto será criado em sem governo, principalmente um que recaia sobre as igrejas.

“Quero me dirigir a todos vocês, dizendo que essa declaração não procede. Quero dizer que em nosso governo nenhum novo imposto será criado, em especial contra as igrejas, que, além de terem um excelente trabalho social prestado a toda a comunidade, reclamam eles, em parte com razão ao meu entendimento, que há uma bitributação nessa área”, afirmou.

Ao final da mensagem, Bolsonaro fez questão de reforçar: “Então, bem claro: não haverá novo imposto para as igrejas. Bom dia a todos. E fiquem com Deus”.

À tarde, após retornar da abertura de um evento do agronegócio no interior paulista, o presidente se reuniu separadamente com o ministro da Economia Paulo Guedes e com Cintra. A agenda com ambos já estava prevista desde sexta-feira (26).

O tema sobre os impostos foi tratado no encontro, mas o assunto “foi superado” pelo governo, segundo o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros. Ele minimizou as diferenças entre o presidente e o secretário da Receita, afirmando que “não há fricção” entre eles.

“Não há fricção entre o nosso presidente e o secretário. Apenas o presidente, por conta de seus conceitos políticos, das suas percepções políticas -ele entendeu que não é nem que não e necessário, não se deve bitributar as igrejas em função do conhecimento que ele tem neste assunto”, afirmou Rêgo Barros.

Questionado sobre a permanência de Cinta no governo, o porta-voz respondeu que Bolsonaro não falou sobre a possibilidade de saída do secretário.

“O presidente absolutamente não fez nenhum comentário no sentido de que haja qualquer que seja a possibilidade de substituição.”

Ao deixar o Palácio do Planalto no início da noite desta segunda, onde se reuniu com o presidente, Cintra se resumiu a dizer que fica no governo. “Continuo e muito”, afirmou.

Em rápida declaração à imprensa, também à noite, o ministro Guedes disseque havia ocorrido um mal entendido, pois Cintra não propôs aumento de tributos na entrevista concedida à Folha.

“Nós temos dito que vamos reduzir e simplificar impostos. Em nenhum momento ele disse que vai aumentar impostos, não foi isso que ele disse, foi mal interpretado”, afirmou.

O ministro não fez comentários sobre a declaração feita pelo secretário em defesa do fim da imunidade tributária para igrejas.

Na entrevista à Folha de S.Paulo, o secretário da Receita falou sobre a criação de um novo imposto que acabaria com a contribuição previdenciária que incide sobre a folha de pagamento.

O novo tributo incidiria sobre todas as transações financeiras, bancárias ou não, com alíquota de 0,9% e rateado entre as duas pontas da operação (quem paga e quem recebe).

“Isso vai ser polêmico”, reconheceu. “A base da CP [contribuição previdenciária]é universal, todo o mundo vai pagar esse imposto, igreja, a economia informal, até o contrabando”, afirmou Cintra.

Na reforma tributária que está elaborando, o novo tributo substituiria a contribuição previdenciária sobre os salários, que drena R$ 350 bilhões por ano de empresas e trabalhadores.

“Vai ser pecado tributar salário no Brasil”, disse.

A fala incomodou líderes evangélicos, que rapidamente telefonaram para Bolsonaro pedindo explicações. O presidente foi eleito com grande apoio da bancada evangélica.

Em resposta às reclamações, ele prometeu a parlamentares que gravaria um vídeo desmentindo a cobrança. O vídeo foi distribuído para os líderes pelo WhatsApp antes mesmo de ser divulgado nas redes sociais do presidente.

Antes de fazer a gravação, Bolsonaro telefonou para o ministro Guedes questionando a declaração do secretário e avisando que desautorizaria sua fala.

Bancada evangélica se coloca contra eventual mudança

BRASÍLIA”‚Parlamentares, em especial aqueles que integram a bancada evangélica reagiram à proposta do secretário da Receita, Marcos Cintra

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a Câmara não aprovaria aumento em impostos.

“Não vamos tratar de aumento de impostos na Câmara, não passa. O foco agora é a Previdência para fazer o país crescer, gerar empregos. Depois vamos debater a reforma tributária para cortar impostos, não para aumentar”, escreveu Maia nas redes sociais.

O presidente da frente parlamentar evangélica, deputado Silas Câmara (PRB-AM), afirmou ter recebido com “surpresa” as declarações do secretário da Receita. “As igrejas evangélicas já dão à sociedade muito mais do que recebem. Além do trabalho espiritual, há um trabalho social muito forte”, disse o parlamentar.

“A decisão da bancada é não ceder nenhum milímetro na luta contra qualquer projeto que dificulte o trabalho das igrejas evangélicas no Brasil”, concluiu.

O deputado Lincoln Portela (PR-MG) foi na mesma linha e disse que a tributação de igrejas “não vai acontecer”. “Ele [Marcos Cintra] se esquece que 90% da Câmara e do Senado é constituído por pessoas de diversas religiões. E o presidente Jair Bolsonaro deixou bem claro que não haverá tributação das religiões”, disse.

Um dos maiores expoentes da bancada evangélica, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) foi às redes sociais criticar a ideia de Cintra. “Alô Marcos Cintra do Ministério da Economia! Acho que você faltou à aula, mas vou te dar uma dica pra você recuperar a matéria. No direito tributário, existem três modalidades de arrecadação: imposto, contribuição de melhorias e taxas. A igreja é imune aos impostos”, escreveu.

O deputado Alan Rick (DEM-AC), que é membro da frente parlamentar evangélica, também já se declarou contra a proposta do secretário da Receita. “A bancada [evangélica] recebeu com muita preocupação, porque não está muito bem explicado pelo secretário. Se for tributar doação, aí pega todo tipo de transação financeira. E eu não gosto dessa ideia porque me parece muito semelhante à CPMF”, disse o parlamentar.

Tanto Rick quanto Portela disseram que é necessário avançar na discussão de uma reforma tributária, mas defenderam que o debate tenha como base um projeto da Câmara que foi relatado pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR).

Outro que se pronunciou foi o ex-senador e atual deputado José Medeiros (PODE-MT): “Loucura falar sobre criação de imposto, nesse momento”, disse.

Entre os parlamentares que apoiam Bolsonaro, a entrevista de Cintra não repercutiu negativamente apenas entre as lideranças evangélicas. O líder do PSL no Senado, Major Olimpio (SP), alegou que trazer o tema de uma possível tributação das igrejas trouxe uma pressão das bancadas religiosas num momento em que o governo precisa reunir apoios para votar a reforma da Previdência. Para ele, a abordagem do assunto por Cintra é “imprópria e inoportuna.”

“Trouxe a pressão da bancada evangélica quando nós precisamos agregar forças para aprovar a Previdência”, disse o senador.