SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil é um dos países com legislação mais completa no combate ao abuso e exploração sexual, mas não consegue implementar na prática grande parte dessas leis em todo o território nacional, segundo a consultora em políticas públicas para a revista The Economist, Katherine Stewart.


Para resolver o problema, ela afirma que a principal iniciativa é coordenar políticas e ações em nível nacional, com maior participação dos setores público e privado e da sociedade civil.


Stewart falou na terça-feira (9) durante evento organizado pela Childhood Brasil para apresentar o relatório Out of the Shadows (Fora das Sombras, em tradução livre), publicado pela revista em janeiro. O documento avaliou dados quantitativos e qualitativos sobre a questão em 40 países, que reúnem 70% da população global de crianças.


“A implementação inclui policiamento, programas de suporte às vítimas e também apoio aos transgressores, para garantir que não reincidam no crime. Em um país grande como o Brasil, enquanto alguns estados estão fazendo muitas coisas, em outros o problema nem sequer está na agenda”, contou.


No relatório, o Brasil é uma de apenas cinco nações que incluem a proteção contra a violência sexual infantil na Constituição. Por outro lado, o país faz pouca coleta de dados, não criou instituições suficientes preparadas para lidar com a questão e tem problemas para controlar casos de abuso e exploração infantil na internet, de acordo com a consultora.


Entre as ações sugeridas por Stewart para lidar com o problema, estão a criação de estruturas de atendimento em regiões menos favorecidas, como o norte do país, e a oferta de terapia para abusadores.


No caso específico da proteção online, o Brasil zerou no ranking do estudo, que atribui notas de zero a 100 a cada categoria. Isso porque o país foi reprovado em todos os três requisitos testados: não possui regras que obriguem provedores de internet a identificar conteúdos impróprios, não regula seu bloqueio ou remoção e não ordena que se registre o ocorrido, para que seja movido um processo legal contra os responsáveis.


“Descobrimos que é um tema polêmico no Brasil. Há uma discussão se remover ou bloquear conteúdo constitui uma violação dos direitos pessoais. Mas pela perspectiva da proteção às crianças e adolescentes, é muito importante que isso esteja incluído na lei”, afirmou Stewart.


A consultora elogiou uma nova legislação que proíbe o casamento antes dos 16 anos no Brasil, que entrou em vigor em março. No país –o quarto no ranking mundial de casamentos de menores de idade, segundo estudo da ONG Promundo–, o casamento era admitido em caso de gravidez ou para evitar cumprimento de pena criminal.


Em relação à coleta de informações sobre abuso e exploração sexual, a consultora defendeu a unificação de sistemas de armazenamento de dados entre municípios e estados brasileiros, de forma a possibilitar o mapeamento de casos e da dimensão do problema no país. “Para criar ações de combate, é preciso ter noção do escopo do desafio”, declarou.


O evento também contou com representantes de empresas privadas, setor cujo engajamento na causa foi um dos aspectos mais bem avaliados pela pesquisa. Durante o debate, Marcio Gonçalves, advogado na unidade de crimes digitais da Microsoft, destacou o PhotoDNA, tecnologia desenvolvida pela empresa que permite identificar e suprimir conteúdo de abuso sexual infantil.


A diretora-executiva de Recursos Humanos da Atlantica Hotels, Ana Paula Nunes, também presente no evento, deu exemplos de ações de combate ao turismo e à exploração sexual na rede hoteleira, como a proibição de hospedar menores de idade sem a presença dos pais e iniciativas de conscientização com hóspedes e funcionários.


Na ocasião, a Childhood Brasil lançou oficialmente seu projeto Soluções & Ferramentas, que estimula empresas a adotar práticas contra a exploração sexual de crianças e adolescentes.