A discriminação aos estrangeiros na Amazonia, como se todos estivessem lá para “roubar” o território, mostra que nós brasileiros, como mistura de povos indígenas, africanos, europeus, temos lidado com a questão dos estrangeiros de formas muito distintas ao longo dos anos e das políticas vigentes em determinadas épocas.

Estrangeiro é a palavra que utilizamos para marcar a diferença e o estranhamento com relação ao outro, seja esta positiva – adoramos aqueles que vem de países mais desenvolvidos e com maior qualidade de vida, ou negativa, aqueles que vem de lugares que consideramos muito pobres e desassistidos.  Tal ideia marca o convívio entre nós e os outros, o conhecido e o desconhecido, o civilizado e não-civilizado, do comum com o exótico.

São as culturas que definem as formas como interpretamos os outros como estrangeiros ou não, como pertencentes ou não-pertencentes ao nosso universo, aos nossos códigos de convivência, e historicamente são muitos os períodos de exceção, quando o considerado normal, pode tornar-se anormal. Governos com políticas autoritárias tem por hábito definir aqueles que pertencem e os não-pertencentes, como aconteceu na Alemanha com relação ao povo judeu, que ontem eram iguais, mas hoje precisam ser encaminhados a Auschwitz, ou seja, precisam ser separados, segregados, perseguidos e, porque não? exterminados.

E quando os outros se tornam visitantes incômodos, que censuram nossa forma de tratar nossas riquezas materiais, por exemplo acobertando a destruição das florestas, a retirada os metais do solo com métodos catastróficos, esses estranhos não devem receber visto de entrada; devem limitar-se aos seus próprios destinos, e suas rotas não devem interceptar as nossas.

É importante percebermos que para os desvalidos o visto vai funcionar como a forma de entrada de cada um no mundo dos direitos, e, portanto, no mundo da vida administrada pelas instituições, acesso à escolas, postos de saúde, moradia, e muitos outros.

Cada estrangeiro é uma constelação de muitos fatores, traz sua história, suas formas de relacionar-se comunitariamente, sua moral e religião, e muitas vezes é indecifrável para nosso senso comum. Por isso assusta principalmente aos governos e pessoas mais autoritários, àqueles que se julgam a medida de todas as coisas, pois neste caso o outro se torna a expressão do medo, do incerto, e responsável por todas as instabilidades: sociais, políticas, econômicas, das quais se deve culpar qualquer ser humano pelo qual sentimos apenas indiferença ou ódio.

Invariavelmente, padrões de verdade se associam a padrões de beleza, e definem o restante como feiura, e tudo que for exótico será caricaturado e servirá como forma de politização das diferenças, e assim iniciam as guerras.

Ficam definidas nossas antipatias e simpatias, e passamos a ser regidos pelos humores e dissonâncias da alma, e entrar em contato será como abrir a porta de um novo universo, que poderia nos deslumbrar mas muitas vezes nos apavora.

Toda política xenofóbica, que atualmente adotamos ao lidar com os processos de imigração nas fronteiras, expressa o comportamento refratário a tudo aquilo que se encontra no limbo da indefinição. A pretexto de cumprir a lei, os serviços de imigração passam a assumir caricaturas, perfis previamente definidos, conceitos pré-estabelecidos e podemos até mesmo separar crianças de suas mães ou pais, classificar e etiquetar, deixando-as submetidas ao poder das autoridades, sob custódia das autoridades de imigração.

Estes jovens ficam assim sem processo educativo, à mercê de pessoas indiferentes às suas necessidades afetivas, de saúde, escolares; e passam a não ser o que são, mas aquilo que são tornadas, o que deixará marcas profundas. Apesar de falarem outro idioma, comer outra comida, ter outros hábitos existenciais, são humanas, afinal.

Num planeta humano ninguém deveria ser estrangeiro.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.