Henry Milleo – Lipski: “Não podemos depender só do mercado”

Mudanças ventiladas por integrantes do governo Jair Bolsonaro na forma de concessão de recursos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) preocupam o principal banco de fomento do Sul do País. O Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul tem hoje 70% de seu caixa formado por dinheiro do BNDES.

Há pelo menos dois anos a diretoria do BRDE tenta diminuir essa dependência, que já chegou a 99,3% de seus recursos de fomento. Hoje, BRDE espera reduzir esse número para 55%, buscando novos financiadores, principalmente internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Europeu de Investimentos (BEI), a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), o Banco Mundial, além de nacionais como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Há ainda uma nova política que deve ser adotada em breve, principalmente para financiar micro e pequenas cooperativas, que é o uso dos lucros do BRDE para cumprir seu papel de fomento.

Na última semana, o BRDE divulgou seu balanço semestral apontando que encerrou o primeiro semestre deste ano com R$ 1,1 bilhão em operações de crédito contratadas. O montante representa um crescimento de 35,1% em comparação com igual período do ano anterior. O receio de um BNDES mais enxuto e uma nova estratégia de redução de dependência devem colocar à prova estratégias menos conservadoras para manter o crescimento do banco que é constante. O lucro líquido apurado pelo BRDE no primeiro semestre de 2019 foi de R$ 109,6 milhões, o que representa um incremento de 66,7% em relação a igual período do ano anterior. Este é o melhor desempenho do primeiro semestre na história do banco.

Também houve, segundo o balanço, redução do índice de inadimplência (a partir de 90 dias), passando de 2,84% no primeiro semestre de 2018 para 0,88% ao fim de junho de 2019. “Não é esse cenário conservador que faz com que nós tenhamos uma carteira com baixa inadimplência”, pontua o diretor de operações do BRDE, Wilson Bley Lipski, ao anunciar novas modalidades de financiamento consideradas de maior risco. “O banco não pode esquecer sua finalidade que é fomentar. Isso nos motiva de uma forma diferente de outros bancos”, afirma.

Bem Paraná – Por que agora o governo federal tem mexido na política do BNDES?

Wilson Bley Lipski – Tem, mexido. Nós temos limites com o BNDES, que são semestrais. Neste momento a gente está enfrentando um desafio de que o limite que eles nos ofereceram possa ser ampliado. O que eles nos ofereceram não atende toda essa demanda.

BP – Por que dessa demanda? As pessoas tem menos dinheiro para investir?

Bley – Na verdade, acho que há um movimento para retomada de investimentos. Nós temos hoje R$ 3 bilhões encarteirados dentro do banco. Geralmente, a taxa de sucesso de tudo isso que está encarteirado é de 65% a 70% do que se efetiva, nesse semestre. De janeiro a julho, nós efetivamos R$ 1,1 bilhão de novas operações de crédito. Os ‘R$ 1,4 bi’ é dos investimentos, onde é computado no investimento a eventual contrapartida do tomador do recurso. Como investimento, como entrega, foi R$ 1,4 bilhão.

BP – Pela lógica da Parceria Público Privada, o interesse do Estado é justamente o dinheiro que a empresa tem para investir. Se ela pegar o dinheiro emprestado do Estado, a parceria passa a fazer menos sentido.

Bley – Exato. Às vezes dentro de um fluxo maior ou uma antecipação de investimento, que é o alinhamento que está sendo colocado. Isso é uma possibilidade, é algo que está dentro do campo das ideias. Me facilitaria a vida se tivesse esse apetite do parceiro privado que eu já fiz toda uma reflexão anterior de quais seriam os resultados, de quanto é o retorno. Eu poderia apostar dando crédito e esperar o retorno dentro dos prazos.

BP – A política que o governo tem ventilado com relação ao BNDES é bom ou ruim para o BRDE, categoricamente?

Bley – Ainda não entendemos qual é o reflexo de tudo isso. O que a gente tem é uma projeção de diminuir a dependência, mas não porque o BNDES tem um redirecionamento. Ele pode ter, isso é uma questão de governança, não posso apostar em um único cliente para ser tomador de crédito. O que a gente sabe do BNDES é o que a imprensa tem noticiado. Vamos ter uma reunião no dia 11 (de setembro) com o presidente do BNDES. Traz preocupação? Eu, como gestor, penso ‘claro que traz’, com algumas sinalizações que a imprensa deu.

BP – O governo do Estado e o BRDE vão pressionar o governo federal e o BNDES para que se mantenham algumas políticas que hoje beneficiam o BRDE?

Bley – Levamos essa reivindicação ao ministro (Paulo Guedes, da Economia) na semana passada. Eu e o governador estivemos lá conversando com ele. O redirecionamento ser contemporâneo é revisitar tudo aquilo que está sendo colocado e ver se aquilo é adequado ou não. Acho que é isso que o Montezano (Gustavo Montezano, presidente do BNDES). A reivindicação que nós levamos é que um banco de fomento é necessário existir, não podemos depender exclusivamente do mercado. Bancos de fomento que possam oferecer linhas com longo prazo é o que vai fazer com que possamos ter uma economia maior, que traga resultados. Viver só do mercado talvez ainda não tenhamos a maturidade para isso. Na reunião também fomos demonstrar toda a importância que o BRDE tem aqui no Sul. Todo esse investimento se traduz em emprego e renda. Isso é essencial para a economia se movimentar.

BP – Se o governo quiser impor algum tipo de limitação ideológica, por exemplo, ‘no Paraná tem uma cooperativa de um assentamento que tenha origem no MST’, que tenha credibilidade e atenda às exigências do banco, o BRDE não discriminar a origem da cooperativa?

Bley – De forma alguma. Inclusive, o governador deve lançar nesta semana um programa de apoio às micro e pequenas cooperativas. Nós estamos alinhados a essa estratégia. Estamos conversando com a secretaria de Agricultura, com o secretário Norberto Ortigara, somos parceiros, tanto nós quanto a Fomento Paraná, e se eventualmente não tiver crédito do BNDES os outros funding ou até com nosso recurso próprio pode atender esse tipo de demanda.

‘Queremos reduzir a dependência a 55%’

BP- Quanto representa o BNDES nas contas do BRDE?

Bley – O que foi financiado por nós foi R$ 1,1 bilhão. Essas demandas ocorreram neste primeiro semestre desde ano e nós tínhamos um limite do BNDES, tínhamos outros fundings. O que nós fidelizamos do BNDES foi 70% da nossa carteira.Nós temos um plano de reduzir a dependência do BNDES para 55%.

BP – E isso é inferior à média dos anos anteriores.

Bley – É inferior. Nós não queremos ser mais tão dependentes dos recursos do BNDES.

BP – O BRDE tem, então, menos dinheiro hoje, já que o BNDES repassou menos? Tem que compensar esse dinheiro que faltou do BNDES.

Bley – Claro, tem que compensar. O banco sempre foi grande dependente do BNDES. Chegamos a ter uma dependência de 99,3%

BP – E por que isso é ruim?

Bley – Ruim porque se o BNDES nos corta o limite ou se redireciona como está fazendo agora, não entrega crédito, eu tenho um custo operacional e se eu não tiver uma receita operacional eu estou fadado a ter que tomar medidas mais radicais. E você depositar toda sua confiança em um único parceiro acho que é uma questão preocupante. Dá mesma forma um tomador. Não posso pegar um dinheiro do BNDES e colocar em um único tomador.

BP – Há desde o ano passado uma tentativa de incluir dinheiro no BRDE de uma agência francesa, do BID e outros. Isso se concretizou?

Bley – Se concretizou. Tinha no passado já uma discussão com o BID, que estamos em processo, esse dinheiro não se efetivou ainda, não entrou, estamos muito próximos que isso aconteça. Conseguimos viabilizar o BEI, que é o Banco Europeu de Investimentos, AFD, que é a Agência Francesa de Desenvolvimento, e há um mês nós aprovamos na Ciofiex (Comissão de Financiamentos Externos) o nosso empréstimo com o Banco Mundial, que são U$S 125 milhões para residência urbana. Então vão ser empréstimos aos municípios; e nós temo o Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), nós temos o FGTS.

BP – E os internacionais vão representar quanto?

Bley – Somando tudo, acredito que uns 20%. O resto é com outros recursos. FGTS, Fungetur, outras possibilidades que nós temos.

‘Sempre explicamos: não se trata de patrocínio de banco’

BP – Essa mudança de política do BNDES é baseada em qual indicador? Ou foi uma decisão de governo, de querer usar o que sobra do lucro para fazer isso?

Bley – A não dependência do BNDES foi estabelecida como política: não ficar somente dependente do BNDES. Isso fez com que se abrissem novas possibilidades para nós. Mais do que isso. Nós temos uma despesa que, até por uma questão vegetativa, cresce a um nível. Eu preciso ter resultados operacionais que possam suportar tudo isso. Se eu tenho uma dependência menor do BNDES e eu tenho a necessidade de encarteirar ‘X valor’ tenho que procurar novas possibilidades de funding. Então, nós procuramos essas instituições financeiras outras, outros fundos que possam nos possibilitar e também colocamos a nós um desafio: ‘olha, o que pode ser aplicado em recursos nossos aqui’. Já lançamos no passado o ‘Desenvolve Sul’, um programa de R$ 215 milhões dos três Estados e agora nós conseguimos, até por algumas integralizações que ocorreram no passado, a gente equacionou isso, e achou R$ 900 milhões de dinheiro próprio do BRDE que será aplicado no mercado.

BP – Havia um edital do BRDE para financiar uma produção de vídeo para a EBC (Empresa Brasileira de Comunicação), para a TV Brasil, e o presidente da República, pouco tempo antes se manifestou dizendo que ‘o governo não ia mais financiar produções LGBT’. Que tipo de interferência os governos federal e estaduais têm no banco? Eles podem direcionar dessa forma a atuação do BRDE?

Bley – Nesse caso, nós somos quem opera o FSA (Fundo Setorial do Audiovisual) da Ancine (Agência Nacional do Cinema). Nós fazemos as operações, operacionalizamos a entrega do crédito. Quem é dono do dinheiro é o fundo, quem lança o edital é a Ancine pelos seus critérios. Uma vez eleito por eles é que nós podemos fazer as operações.

BP – Então não é uma interferência aqui, no BRDE, é uma interferência antes de chegar aqui?

Bley – Antes de chegar aqui. Nós tivemos alguns editais e neste ano foram suspensos todos os editais, mas mesmo assim nós estamos tendo rendimentos da nossa operacionalização. É prestação de serviço pura. O FSA ainda tem desembolso, ainda tem contratos de editais anteriores que estamos fazendo por aqui. Nós não temos interferência nenhuma. Sempre coloco isso, porque geralmente as pessoas olham para aquele crédito que nos dão nesses documentários e acham que aquilo é uma ação do banco ou patrocínio do banco.

BP – A política que eles utilizaram não interessa ao banco?

Bley – A política é deles. Nós vamos operacionalizar isso aqui. Isso é uma receita adicional que também nós não tínhamos. A nossa receita sempre vinha da entrega do recurso, só spread (diferença entre a remuneração que o banco paga ao aplicador para captar um recurso e o quanto esse banco cobra para emprestar o mesmo dinheiro) que a gente ganha na entrega dos empréstimos. Prestar serviço é algo que está nos motivando. Tanto que oferecemos ao Estado do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a possibilidades de nós estruturarmos PPPs (Parcerias Público Privadas), servir como o BNDES fez. O BNDES no Rio Grande do Sul fez iluminação pública, fez a estruturação da PPP da iluminação pública. Nós oferecemos também e já há algumas sinalizações de a gente ter isso nesse sentido aqui.

BP – Mas o que difere, por exemplo, para uma empreiteira. Antes ela fazia a obra e vendia para o governo a obra pronta. Agora ela vai fazer a obra via PPP com recurso próprio e do BRDE e vai cobrar lá um pedágio ou um aluguel para pagar esse crédito do BRDE?

Bley – Para o banco, primeiro tem que servir a sua função social. O banco é de fomento e precisa estar atrelado à política que o Estado se direciona. Nós não somos uma ilha. Nós somos pertencentes aos Estados, no caso o Paraná, esse atrelamento é ainda maior por causa da relação que temos com o governador. Nós queremos auxiliar esse processo porque é uma tendência natural, as concessões, as PPPs e assim por diante. Claro que nos alimenta também uma vontade maior porque eu posso na estruturação, que eu já faço um serviço de análise muito criteriosa, econômica e financeira, quando eu vou emprestar o dinheiro quando eu vou emprestar o dinheiro para o empreiteiro, ou para o parceiro público, lá no final. Então, por que não fazer nesse início? A gente estrutura, entrega isso ao Estado, o Estado lança isso ao mercado.