Tenho atendido nos últimos meses vários analisandos com uma queixa em comum: a insônia. Eu mesma sofri de insônia durante alguns períodos da vida. E pra mim, é justíssimo o uso do verbo sofrer. Como o brincar para o carnaval. Há quem diga “vai passar carnaval aonde?”, ou ainda, “naquele ano pulei carnaval com fulano”. Nenhum deles vai tão bem quanto o brincar. Carnaval não se passa ou se pula, carnaval se brinca. Insônia não se tem ou se experimenta, de insônia se sofre. 

De minha insônia infantil, o que mais lembro é a engenhoca que meu pai tirou da cartola. Destruiu um daqueles fones de ouvido que vinham com um arquinho prateado e enfiou as duas partes redondas no meio do meu travesseiro. Assim, deitadinha na cama, eu escutava música enquanto, na minha fantasia, Garanhuns inteira dormia.

Da minha insônia de começo de vida adulta, quando mudei para São Paulo, lembro do jornal da noite do SBT que repetia umas 4 vezes a mesma edição, uma atrás da outra. No fim da transmissão, entrava uma mensagem motivacional, lida com a melhor das intenções, mas que encontrava um ouvido cansado e mal humorado.

Semana passada, uma dessas analisandas, teve um insight lindo sobre a própria impossibilidade de se entregar ao sono. Ela, que tem a sorte de ter chegado à insônia no tempo da Netflix, assistia a um reality show na madrugada, chama-se Twenty Somethings. Uma das personagens chorava um conflito já dado. Não no sofrer do elaborar, do viver com e apesar de, mas no “queria que não tivesse acontecido. Quero voltar no tempo”.

Ela, que também passou o ano quase inteiro no mesmo movimento, se viu na cena e me disse: “já foi, Rô. Por que sigo querendo que não tenha sido? Por que estou abrindo mão de tanto pra viver o antes de novo”. Me veio na hora a música tema do 20 e Poucos Anos da MTV , que estreou em junho de 2000, o ano que cheguei aqui em São Paulo, o ano da minha insônia mais insistente, e brinquei: prepara que agora vou citar Fábio Jr.. A música diz assim: “Eu não desisto assim tão fácil, meu amor, das coisas que eu quero fazer e ainda não fiz. Na vida tudo tem seu preço, seu valor e eu só quero dessa vida é ser feliz…”. Passados os 20 e poucos, sabemos que ser feliz é conceito complexo, cheio de camadas, sabemos que, por vezes, para isso, há de abrir mão, até do amor. Mas sabemos também que o valor de querer (inclusive o de fazer o que ainda não foi feito, mas não só) é imenso e que se resumir a uma única experiência custa caro demais.

Minha analisanda acordou. E porque acordou, pode voltar a dormir. É isso que desejo a nós em 2022. O brincar apesar de, o dormir pra poder sonhar e o acordar para poder dormir. Sigamos juntos. Bom ano queridos.

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