Li – por uma dessas sincronicidades surpreendentes da vida – justamente essa semana, o conto o Homem Cadente de Mia Couto. A história está no livro O Fio das Missangas publicado pela Companhia das Letras. “É Zuzézinho! Está caindo do prédio”. Escuta um narrador que nas próximas linhas comenta, “… o homem estava caindo? Aquele gerúndio era um desmando nas graves leis da gravidade: quem cai, já caiu”. 

Pareceu-me momento propício pensar sobre essa queda que é tão esperada quanto absurda – por seu atraso, claro – posto que Zuzézinho teima em abusar do gerúndio nesse tempo que é também de gravidade e desmando. O que o narrador nos mostra é uma queda que nunca se dá, um meio de caminho congelado em um tanto de parágrafos.

Nós, aqui, acordando, trabalhando, cuidando, indo e voltando, gritando, dormindo, chorando, sentindo, cansando, falando e escutando, resistindo, adoecendo, morrendo, contando os mortos, cuidando dos vivos, negociando, juntando os recurso, pagando os boletos, lendo as notícias, nos escondendo delas, nos assustando, perdendo as estribeiras, nos consolando uns aos outros, enlouquecendo, retomando o prumo, ocupando os espaços possíveis e impossíveis, lembrando do passado, tentando com todas as forças imaginar um futuro, nos articulando, nos encontrando na virtualidade do que não se toca e na realidade do que se sente, nos desencontrando no que já não se pode tocar ou sentir, comendo, bebendo e tomando os remédios todos, cozinhando, limpando, olhando as crianças, lamentando por elas, confiando nelas, uns rezando, outros desistindo, querendo e deixando de querer, refletindo, colocando os planos em ação, as cartas na mesa e as manguinhas de fora, ponderando, experimentando, cortando os cabelos e deixando-os crescer, doendo e curando, cantando e dançando, fazendo barulho, fazendo questão.

E Zuzézinho, lá, caindo, caindo… Já é tempo Zuzézinho, caia!

 

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