ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Se eleito presidente, Ciro Gomes (PDT) promete revogar duas medidas de um “governo golpista” (teto de gastos e reforma trabalhista) e “deixar a porta aberta para dialogar com o PSDB”.

Está na torcida para um segundo turno entre ele e Jair Bolsonaro (PSL). “A rigor, gostaria muito de enfrentá-lo, me parece o candidato menos difícil de ser derrotado”, afirmou o ex-governador do Ceará ao ser sabatinado por Folha de S.Paulo, UOL e SBT, na segunda-feira (21). Para Ciro, o adversário é fascista e tem “soluções muito toscas” para o país.

Alcançando 9% em Datafolha de abril em todos os cenários em que Lula (PT) não disputa a sucessão de Michel Temer (MDB), disse avaliar “o que está em jogo, para quem tem responsabilidade crescente como aquela que estou sentindo crescer sobre meus ombros”: a governabilidade.

O pré-candidato foi entrevistado pelos jornalistas Fernando Canzian, da Folha de S.Paulo, Diogo Pinheiro, chefe de reportagem do UOL, e Carlos Nascimento, âncora do SBT.

O ex-ministro do governo Lula criticou o presidencialismo de coalizão, que chamou de “uma mentira sofisticada que FHC [PSDB] criou e a qual o PT se submeteu”. “O modelo de lotear o governo com picaretas e o presidente ficar como testa de ferro nesta ladroeira” é, para ele, uma fórmula certa “para o fracasso”.

Mas como governar sem força no Congresso? Ciro disse que a solução é aproveitar os “seis primeiros meses, que dão poderes imperiais ao presidente”. Priorizaria, nesse período, as reformas fiscal [promete taxar mais os ricos e menos os pobres] e política. “Tenho história, não sou um poeta que chegou agora, como Bolsonaro, e acha que extremismo resolve problema.”

“Só quem quer ser dono da verdade” acha que não é possível “negociar no atacado”.

Baixar os juros nos bancos, revogar medidas como a reforma trabalhista… Não estaria Ciro “avançando o sinal” e correndo o risco de cometer estelionato eleitoral, prometendo o que não pode cumprir?

O pedetista disse recear que “não consiga entregar” tudo o que gostaria, “mas todo mundo vai me ver agarrado com a tentativa de entregar”. Sempre negociando, pois “não sou candidato a ditador do Brasil, esse é o Bolsonaro.”

A aliança com o tucanato pode até ser “completamente disparatosa” do ponto de vista eleitoral, “para ficar numa palavra moderada”, mas é preciso pensar “no dia seguinte às eleições” e “ter a porta aberta para dialogar” com o PSDB, afirmou o presidenciável.

Não descarta, caso vença, manter pontes com os tucanos, ainda que eles tenham, ao seu ver, se aliado ao MDB para dar um “golpe de Estado” [o impeachment de Dilma Rousseff] “antipobre e antipovo”.

Após a sabatina, Ciro disse a jornalistas que se vê no segundo turno com o presidenciável do tucanato, Geraldo Alckmin. Essa concorrência seria muito mais desafiadora do que enfrentar Bolsonaro, “um extremista fascistoide”.

Questionado sobre a reforma da Previdência, cuja votação estagnou no governo Temer, o pedetista propôs primeiro discutir se realmente há um déficit previdenciário.

“É possível afirmar que não. Fomos criando puxadinho pra cá, puxadinho pra lá…” Sua tese: se considerarmos as receitas de contribuições (como Pis/Pasep, Cofins) e de loterias, “a soma disso paga a Previdência e sobra um tiquinho”.

Já uma reforma de Temer que vingou, a trabalhista, “é uma selvageria”, afirmou. “Ela permite que um patrão descuidado aloque uma senhora grávida, prenha –que é uma maneira da gente chamar no Nordeste– em ambiente insalubre”. O pior ponto seria o trabalho intermitente.

“No dia em que essa porcaria entrou em vigor”, quase 400 mil postos de trabalho foram destruídos, disse.

O teto de gastos, que barra o crescimento de despesas acima da inflação pelos próximos 20 anos, foi outro alvo, por dar margem ao congelamento de investimentos em áreas como educação. “Não é possível que a gente tenha uma pedra no lugar do coração.”

Rechaçou privatizar estatais como Petrobras e Eletrobras. Mais importante é “celebrar um projeto nacional de desenvolvimento”, afirmou.

Ele disse ver “com muita angústia o itinerário da sandice” que se passa no país que acabou de reeleger, num pleito amplamente contestado, Nicolás Maduro. Criticou “o ativismo chavista”, que estaria “passando qualquer limite do razoável”. Mas relativizou a ideia de fraude na eleição venezuelana. “Se for mesmo, por que dois candidatos de oposição se apresentaram? A abstenção [48% do eleitorado compareceu, a mais alta abstenção em 50 anos] significa ‘não quero me meter nisso’.”

Já uma boa relação com os EUA, em eventual governo seu, só seria possível caso “não seja uma de vassalagem”.

Ciro foi questionado sobre três nomes no bolão de apostas para o posto de vice: os ex-prefeitos Fernando Haddad (PT), de São Paulo, e Márcio Lacerda (PSB), de Belo Horizonte, além de Josué Alencar (PR), filho do copiloto de Lula, José Alencar (1931-2011).

Definiu-os como “três amigos queridos”, mas só confirmou uma conversa com Josué.

O vice ideal, para ele, é um homem ou uma mulher do Sudeste, ligado à produção.

A “aliança orgânica” que vê para seu governo é com o PCdoB, para formar “um polo de centro-esquerda mais comprometido com conjunto histórico de valores”, com o trabalhismo caro ao seu partido -o PDT de Leonel Brizola.

Se Haddad substituir Lula na chapa do PT, possibilidade aventada dentro da sigla, “seria o céu”, disse, antevendo um “debate elegantérrimo”.