Séculos depois de os portugueses colonizarem o Brasil, está em processo uma nova espécie de descobrimento, mas pelo futebol. Somente nos últimos cinco anos pelo menos dez treinadores nascidos em Portugal trabalharam em times brasileiros. O movimento se acelerou principalmente após as conquistas de Jorge Jesus com o Flamengo e justamente esse sucesso gera uma responsabilidade extra aos recém-chegados. Quem veio agora tem de provar que está no Brasil pela competência e não pelo modismo ou pela nacionalidade.

O mercado brasileiro se abriu aos técnicos portugueses somente nos últimos anos. Apenas em 2020, o Santos apostou em Jesualdo Ferreira e o Avaí contratou Augusto Inácio. Os dois já foram demitidos. O Bragantino negociou com Carlos Carvalhal, enquanto o Vasco fechou com Ricardo Sá Pinto e o Palmeiras trouxe Abel Ferreira.

Neste século, a Série A do Campeonato Brasileiro teve os primeiros treinadores portugueses em 2016, com Sérgio Vieira no América-MG e Paulo Bento no Cruzeiro. Ambos não tiveram sucesso. A presença de técnicos estrangeiros no Brasil se intensificou principalmente após o fracasso da seleção na Copa de 2014. Apesar de argentinos, colombianos, espanhóis, uruguaios e venezuelanos terem sido testados, o maior sucesso é dos portugueses.

Para o novo treinador do Palmeiras, o motivo desse êxito é a tendência de os compatriotas se ajudarem. “É a divisão do conhecimento. Posso dizer que tive vários colegas a compartilhar comigo. Nós compartilhamos ideias, conceitos, formas de atacar e defender”, explicou Abel Ferreira. Assim como o vascaíno Sá Pinto, o palmeirense evita se comparar a Jorge Jesus.

“O Jorge fez um trabalho extraordinário, realizou uma temporada incrível. Eu, como português, fiquei muito orgulhoso pelo que ele fez, mas os nossos objetivos são diferentes. A nossa capacidade nesta altura é diferente”, disse Sá Pinto.

O ex-comandante do Flamengo conquistou cinco títulos do Brasil e virou a referência quando se trata de estrangeiros de sucesso. O próprio clube carioca tentou primeiramente um outro português, Leonardo Jardim, para repor a saída dele. Porém, até agora somente um outro português conseguiu ser campeão no futebol brasileiro além de Jesus. Daniel Neri levou o Salgueiro ao inédito título do Campeonato Pernambucano deste ano e analisa com cautela a intensa chegada de compatriotas ao Brasil.

“Não é a nacionalidade de um treinador que faz o trabalho dar certo. O importante é a capacidade do profissional. Já tivemos também portugueses que vieram ao Brasil e não tiveram sucesso. O fato é que o futebol brasileiro está a ganhar uma dimensão internacional forte”, comentou.

O técnico português com maior experiência no Brasil é Luis Miguel Gouveia. Há 14 anos no País e com mais de 25 times locais no currículo, ele agora dirige o Itapipoca, da segunda divisão cearense. “A mentalidade no Brasil era muito fechada para estrangeiros. De uns anos para cá isso mudou. O sucesso do Jorge Jesus abriu as portas”, afirmou ao Estadão.

Portugal tem tradição de formar técnicos. O país tem um curso para treinadores considerado de excelência pela Uefa, criado em 1975. São necessários quatro anos de estudos para obter o diploma mais elevado. O conteúdo inclui formação tática, aulas de psicologia, metodologia de treino e estágios em grandes clubes.