No início da pandemia de covid-19, o empresário Marcelo de Carvalho, dono da cinquentenária Mototex, que confecciona e vende uniformes para restaurantes e condomínios, ficou com as duas lojas fechadas por três meses. Nesse período, continuou pagando aluguel e tendo outras despesas, mas sem a contrapartida da venda de uniformes. Em julho, Carvalho decidiu encerrar definitivamente uma das lojas. “Se a venda continuar aquém do necessário, cogitamos só ficar com a confecção e fabricar sob demanda”, diz.

Caso o plano de Carvalho de fechar a segunda loja se confirme e seja seguido por outros comerciantes, o varejo deve demorar para se recuperar do tombo de 2020. No ano passado, o isolamento social imposto pela pandemia e o avanço acelerado do comércio online derrubaram a abertura de lojas físicas no País. Entre inaugurações e fechamentos, o comércio perdeu 75,2 mil pontos de venda, revela estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), obtido com exclusividade pelo Estadão. O levantamento considera lojas com vínculo empregatício que entram no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

O resultado de 2020 foi o pior desde 2016, quando o saldo tinha sido de 105,3 mil lojas fechando as portas, na época, por causa da maior recessão da história recente. Após dois anos seguidos de saldo positivo – com a abertura líquida de 27,1 mil lojas -, o estrago em 2020 só não foi maior por causa do auxílio emergencial, segundo o economista-chefe da CNC e responsável pelo estudo, Fabio Bentes. “Sem o auxílio teríamos tido seguramente mais de 100 mil lojas fechadas.”

Apesar da digitalização acelerada do comércio por conta da pandemia, o varejo brasileiro é ainda muito dependente do consumo presencial, que responde por cerca de 90% das vendas. Essa relação é nítida, segundo Bentes, quando se constata que o impacto maior da pandemia ocorreu no primeiro semestre, com o fechamento líquido de 62,1 mil lojas. Nesse período, o índice de isolamento social atingiu o pico de 47% e as vendas recuaram quase 18% em abril. No segundo semestre, quando se iniciou o processo de reabertura e o consumo foi impulsionado pelo auxílio, o saldo negativo de abertura de lojas foi bem menor e ficou em 13,1 mil.

Tempestade

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, o que explica o saldo negativo na abertura de lojas é uma “tempestade perfeita” que combinou o aperto provocado pela crise sanitária com a aceleração da digitalização do varejo, a redução da presença no País de marcas internacionais e o forte aumento de custos dos aluguéis, especialmente em shoppings. “Todos fatores estão interligados.”

O fechamento de lojas de marcas internacionais, na opinião de Terra, tem relação com a crise sanitária, que levou muitas empresas a encerrarem pontos de venda em países que não são prioritários. Mas as empresas alegam outros motivos.

A espanhola Zara, por exemplo, do setor de vestuário, fechou sete lojas no País nos últimos três meses e ficou com 49 em funcionamento. Segundo fontes próximas da companhia, o encerramento desses pontos não está relacionado com a pandemia. Ele faz parte de um projeto global, anunciado antes da crise sanitária, de transformação digital no qual as lojas menores seriam desativadas.

A francesa L’Occitane au Brésil, de perfumaria, é outra que fechou 39 lojas em 2020 e manteve 157 em operação. Segundo a companhia, o encerramento das lojas é resultado da reestruturação, anterior à pandemia, que visa uma “adequação dos espaços do varejo”, como avanço da venda online.

Vagas perdidas

A retração de 1,5% nas vendas do varejo ampliado em 2020, que inclui veículos e materiais de construção, e o grande fechamento líquido de lojas físicas resultaram na perda de 25,7 mil postos formais de trabalho, aponta o levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), com base nos dados do Caged. Foi o primeiro saldo anual negativo no emprego do varejo desde 2016. Naquele ano, por conta da forte recessão foram fechadas 176,1 mil vagas, entre admissões e demissões.

Apesar do saldo negativo na ocupação do varejo em 2020, não houve uma reversão completa das vagas abertas nos três anos anteriores. Entre 2017, 2018 e 2019, o setor gerou 220,1 mil empregos com carteira.

Segundo o economista-chefe da CNC, Fabio Bentes, o grande fechamento de lojas físicas que houve em 2020 não deverá ser compensado este ano por conta do cenário incerto em relação às novas ondas da pandemia e ao ritmo de vacinação. “Seguramente, esse quadro deve fazer com que a retomada do emprego no comércio seja bem mais difícil, a menos que ocorra alguma surpresa.”

Além das incertezas sobre a retomada da abertura de lojas por causa da pandemia, ele lembra que o comércio eletrônico cujas vendas cresceram 37% em 2020, não tem capacidade de gerar tantos empregos como as lojas físicas.

Vestuário

Todos os segmentos do comércio fecharam mais lojas do que abriram no ano passado. O enxugamento nos pontos de venda pegou até os “queridinhos” do varejo, como supermercados e lojas de materiais de construção, que ganharam grande impulso nas vendas por causa do auxílio emergencial.

Mas o segmento que mais fechou loja do que abriu em 2020 foi o de artigos de vestuário, calçados e acessórios, com um saldo negativo de 22,29 mil pontos de venda, segundo levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens Serviços e Turismo (CNC). O segmento de vestuário fechou o ano com um estoque de lojas 10% menor em relação a dezembro de 2019 e com uma retração de quase o dobro do recuo do estoque total de lojas no varejo.

O varejo como um todo encerrou o ano de 2020 com 1,221 milhão de lojas ativas, um número 5,8% menor do que em 2019.

“O estrago foi maior no varejo não essencial, como as lojas de e vestuário, livrarias e no comércio automotivo”, observa o economista-chefe da CNC e responsável pelo levantamento, Fabio Bentes.

No caso dos artigos de vestuário, além da retração nas vendas pelo fato de as pessoas estarem confinadas em casa e consumido menos esse tipo de produto, as pressões de custos de aluguéis, especialmente de shoppings, onde a maioria dessas lojas estão instaladas, cresceram em ritmo exponencial.

Pressionado pelo câmbio e pelo aumento de preços das matérias-primas, o Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), o indexador mais usado nos contratos de locação, deu um salto. Em 12 meses até fevereiro deste ano acumula alta de quase 30%.

Angelo Campos, dono da MOB, confecção e rede de lojas de moda feminina, fechou três lojas, de um total de 34, no ano passado por causa dos custos operacionais elevados. No shopping, ele tem de pagar o rateio do condomínio, fundo de promoção, aluguel reajustado pelo IGP-M e 13.º aluguel. “E eles não quiseram negociar, independentemente da pandemia.” Resultado: o empresário acabou trocando as três lojas próprias em shopping por cinco franquias na rua e o saldo foi positivo. Ele diz que tem intenção de fazer novas migrações para lojas de rua.

Dados da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) mostram que a vacância nos shoppings foi de 9,3% em 2020, ante 4,7% no ano anterior.

Apesar de segmentos do varejo que vendem produtos para serem consumidos em casa terem se saído melhor no ano passado, eles também não escaparam do fechamento de lojas. Os hipermercados, supermercados e minimercados fecharam o ano com saldo negativo 14,38 mil na abertura de lojas e o estoque de pontos de venda ficou 5,5% abaixo do de 2019.

“O que está sofrendo com a pandemia é o minimercado”, conta Hélio Freddi, diretor da rede Hirota. Com a queda de clientes em shoppings e em centros empresariais por causa do home office, ele fechou duas lojas Express nesses locais e abriu três em pontos de maior fluxo. Nas lojas de supermercado do grupo e as instaladas em condomínio, no entanto, o plano é expandir os pontos de venda. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.