NOVA LIMA, MG (FOLHAPRESS) – O ex-procurador da República Rodrigo Janot estava em Belo Horizonte, na semana antes da Páscoa, quando recebeu uma mensagem de uma ex-colega de escola, moradora de Macacos, distrito de Nova Lima, a cerca de 20 km da capital mineira. 


Rosana Bitterman, 63, dona de pousada, contava os problemas vividos pela comunidade desde que uma sirene da Vale soou para alertar para o risco de rompimento da barragem local no dia 16 de fevereiro. E pedia ajuda.


A barragem B3/B4, na mina Mar Azul, é uma das quatro em nível de risco 3 em Minas -o último grau de emergência, que significa rompimento iminente ou já ocorrendo. 


Na véspera da Sexta-Feira Santa, Janot foi ouvir os atingidos. Decidiu abraçar o caso como seu primeiro trabalho depois da aposentadoria no Ministério Público, oficializada no fim de março.


“A sensação [em Macacos] era de indignação, abandono. Uma empresa desse porte que não faz avaliação de risco de sua própria atividade, que causa um desastre e atende o povo como se estivesse dando esmola. Deveria ter responsabilidade social”, disse Janot à reportagem. 


Há quatro meses, os empresários e comerciantes do distrito veem o movimento dos fins de semana minguar. Carnaval e Páscoa, datas de maior renda no ano, tiveram pousadas e restaurantes vazios. 


O movimento começou a cair depois do rompimento da barragem em Brumadinho, que deixou 246 mortos e 24 desaparecidos. Com a elevação do nível de risco da barragem na região, o turista sumiu. 


“Desde fevereiro, fechamos no vermelho. Esses vouchers, para nós que vivemos do turismo, é uma parcela pequena do faturamento”, diz Bernardo Buffalo Penna, 42, dono de pousada e restaurante. 


Os vouchers, trocados por comida, são pagos pela Vale como uma das medidas emergenciais. Cada pessoa tem direito a dois tickets por dia, no valor de R$ 20 cada. O pagamento aos restaurantes, segundo Penna, é feito de forma escalonada, no cartão de crédito, e costuma demorar. 


Também dona de pousada, Isa Mara Ribeiro, 54, teve a luz cortada por falta de pagamento. Pré-diabética e com hipertensão, ela diz que a alimentação dos restaurantes não atende suas necessidades. 


“Meu plano de saúde está sendo pago pela minha mãe, que tem 76 anos e é aposentada, junto com os dois medicamentos caros que eu tenho”, conta. Um deles custa R$ 600. 


Alguns estabelecimentos receberam pagamento da Vale para compensar o Carnaval. Outros não receberam nada.


“Essa sirene criou um fantasma. Não houve rompimento, mas pânico. A procura [por imóveis] caiu para zero”, diz o corretor André Lâmego, 57. 


O toque da sirene tirou de casa 305 pessoas da chamada zona de auto salvamento (ZAS, a primeira a ser atingida em caso de rompimento), que foram colocadas pela Vale em outras casas e pousadas. 


Andreza de Jesus Silva, 33, morava no local há 14 anos, com o marido e os três filhos. A pousada em que trabalhava fechou. “Meu marido ganha R$ 1.400 por mês. Antes, nossa renda era R$ 3.000”, diz.


Andreza espera voltar para casa ou que a Vale a indenize para que possa ir embora “tocar a vida”. A mineradora afirma que iniciou a sondagem geotécnica para obras de contenção da barragem, mas não estipula quando os moradores poderão voltar. 


Carlos Alberto de Melo, 48, deixou o prédio de três andares onde tinha casa, loja e a fábrica das Balas Delícia. 


O doce é referência em Macacos. Melo, cunhado de Andreza, afirma que agora sua única renda vem dos vouchers da Vale. As mensalidades da escola do filho de 10 anos e da faculdade da esposa, o IPVA do carro e as contas de luz do imóvel estão todas atrasadas.


“Minha esperança é que a Vale nos indenize para que a gente coloque a vida nos eixos. Para mim, aqui virou um cemitério. É uma sensação triste.” 


Dois dias antes do toque da sirene, os atingidos de Macacos registraram o Instituto Sebastião, organização para reivindicar suas demandas. Além de conquistar os pagamentos que a Vale tem feito a empresários, o instituto tenta recuperar o turismo local, mostrando que o arraial é seguro. 


“Temos uma área completamente sem riscos em Macacos, mas essas coisas a mídia não está ajudando a divulgar, [a Vale] também não”, diz a presidente do instituto, Rosana Bitterman. 


Um dos planos para tentar recuperar o turismo foi apresentado em maio ao ministro Marcelo Álvaro Antônio (PSL). 


Prevê ônibus elétricos que saiam de Belo Horizonte, percorram Macacos e sigam até Brumadinho. As paradas se chamariam “estações de lótus”, em homenagem à flor que nasce da lama. O projeto ainda está em fase inicial, mas já tem apoio do ministério. 


Antes de uma medida judicial, Janot espera conseguir um acordo. O primeiro passo foi a reunião com o governador Romeu Zema (Novo) para entender a relação do estado com as mineradoras. 


Ele quer ouvir também o prefeito de Nova Lima e a própria Vale. A empresa abriu um escritório no arraial para atender atingidos e diz que se reuniu com comerciantes para criar um plano de fomento. 


“Para resolver esses problemas, um dos pilares é a transparência. O tempo milita contra essas comunidades e a favor da empresa, porque a tendência de acomodação é enorme e de cair no esquecimento, maior ainda”, diz Janot.