A argumentação confusa da ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, votando desempate no julgamento sobre necessidade de aval do Legislativo para imposição de medidas cautelares contra parlamentares, malabaristicamente, evitou uma crise institucional. Ao atropelar o art.53 da Constituição, os ministros integrantes da 1ª Turma da Corte, ignoraram que nenhuma medida legal pode ser tomada contra um congressista sem o aval do Legislativo. É o que determina a Constituição, não podendo ser atropelada por teses excêntricas. Leigo em matéria jurídica, mas por ter sido um dos subscritores do texto constitucional, na condição de constituinte, reafirmo que um poder não pode atropelar outro poder, sem consequência geradora de crise. Ao desempatar a votação de 5×5, a ministra Cármen Lúcia impediu, com o seu voto, marcado por constrangimento, crise devastadora entre os poderes da República.

Infelizmente, a hermenêutica na arte de interpretar leis vem demonstrando que há dois times em jogo perigoso no STF. As reiteradas votações de 6×5 ratificam o vezo ideológico enfraquecedor do Estado de Direito. O pacto constitucional entre os poderes republicanos estaria esgarçado? Um Supremo Tribunal Federal dividido não adota o princípio do peso e contrapeso. Alguns dos seus membros acham que o judiciário tudo pode, fazendo do direito adjetivo, oriundo da velha Grécia, prática de relativismo constitucional, gerando gambiarras jurídicas exemplificadas nos votos dos ministros Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Rose Weber, misturando Constituição e Código Penal, na aplicação de pena constitucional a um senador da República.

Em Salvador, o ex-presidente da OAB, o velho amigo Saul Quadros, foi didático: No sistema democrático existem três poderes, cada um com tarefas específicas. Há uma teoria de direito constitucional que se chama Teoria dos Freios e Contrapesos. Ela diz que os poderes são independentes e harmônicos entre si, mas que um poder deve fiscalizar o outro para que qualquer deles não desrespeite e nem pratique atos que venham influenciar ou interagir no poder ou competência dos outros poderes. O ex-ministro do STF, Eros Grau, foi direto: Quem diz a última palavra de qualquer restrição de liberdade de parlamentares é o Congresso nacional.

A opinião pessoal de um ou vários ministros não pode prevalecer sobre a Constituição. Ela nasce e se torna realidade no legislativo e não no STF, que recebe a incumbência do poder legislante de preservá-la, não podendo adulterá-la. O afastamento de presidentes da república de parlamentares assegurado pela Constituição se estende igualmente aos membros do poder judiciário.

Por exemplo, na mesa do Senado já chegaram 20 pedidos de impeachment contra ministros do STF. O ministro Gilmar Mendes é o recordista, seguido dos colegas Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello, Luiz Fux, Rosa Weber e Luiz Edson Fachin. Os pedidos de impedimento dos magistrados têm sido levados ao arquivamento, mas configura censura a conduta de membros da Corte.

No Estado de Direito não existe intocabilidade constitucional para os integrantes dos poderes republicamos. Nenhum agente público está acima da Constituição. Ela não aprova que decisões jurídicas esotéricas, fundamentada em juridiquês, de difícil compreensão para o cidadão, se transformem em normas legais. Daí a importância do STF ter sempre na Constituição o balizamento para as suas decisões.

No Brasil, nos últimos tempos, o ativismo midiático indicativo de alguns ministros do Supremo, opinando sobre os mais diversos temas políticos, econômicos e sociais, vem atropelando o universal princípio do Juiz sempre falar pelos autos do processo. Alimentando polêmicas e pré-julgamentos que não fortalecem o Estado democrático. A rigor, a crise brasileira dos dias atuais não é privilégio de um poder, mas se estende pelos três poderes da República.

Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP)