SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em seu primeiro ano, a Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela conseguiu cumprir com a primeira promessa de seu idealizador e mandatário do país, Nicolás Maduro: trazer a paz, como se referia a acabar com os protestos de sua oposição.

Tendo um plenário que avaliza por unanimidade todos os seus projetos, o autocrata neutralizou a oposição e os dissidentes chavistas. Porém, não usou essa vantagem para tirar o país do caminho do colapso econômico e humanitário.

A intenção política da Constituinte seria concretizada em uma sessão em seu segundo dia, 5 de agosto, um sábado. O primeiro decreto foi a destituição da procuradora-geral, Luisa Ortega Díaz, chavista que decidiu investigar as 125 mortes dos quatro meses de manifestações anti-Maduro.

Antes do fim do ano, a Casa usaria os poderes outorgados pela Constituição para anular a Assembleia Nacional opositora, instalar uma comissão que levou ao indiciamento de seus principais rivais e ordenar uma revalidação de partidos que cassou as duas maiores siglas adversárias.

Também não cumpriu até o momento a finalidade prevista por lei: escrever a nova Carta Magna. Os únicos registros da discussão de artigos são as instalações de comissões sobre assuntos diversos, que ainda estão em fase de audiências públicas.

Por outro lado, fez 57 decretos parlamentares e leis, função que seria da Assembleia Nacional, seguindo as instruções do Executivo. Um dos exemplos é a Lei Constitucional contra o Ódio, pela Convivência Pacífica e a Tolerância, aprovada em novembro.

Um de seus artigos prevê penas de 10 a 20 anos de prisão para quem "fomentem, promovam e incitem o ódio, a discriminação e a violência" por motivos políticas. A punição era um desejo de Maduro manifestado ainda na época das manifestações.

Situação semelhante aconteceu após a eleição para prefeitos, em 10 de dezembro. Ao votar, o líder disse que os partidos que não participaram do pleito deveriam ser punidos por pregarem a abstenção.

No início de janeiro, a Constituinte obrigaria as três maiores siglas opositoras -Ação Democrática (centro), Primeiro Justiça (centro-direita) e Vontade Popular (direita)- a se submeterem a uma revalidação do registro. Apenas a primeira sobreviveu.

A unanimidade é outra característica comum. Foi o que aconteceu na quinta (2), quando o governo despenalizou as transações cambiais entre pessoas físicas e jurídicas.

A sessão, que começou às 8h30 com a apresentação do vice-presidente econômico, Tareck El Aissami, seguiu com um discurso do presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, e a fala de dois outros constituintes. A medida seria aprovada pelos 545 membros por volta de 13h.

"A Assembleia Constituinte funciona quase como um politburo russo. O governo faz o que quer. Nem sequer há um debate das medidas", disse o presidente do Instituto Datanálisis, Luis Vicente León.

Quanto à questão econômica, a Constituinte só havia aprovado até esta semana a Lei de Orçamento, medidas de controles de preços e a criação do petro, a moeda virtual com a qual o chavismo tenta driblar as sanções dos EUA.

Além da liberação parcial do câmbio, a Casa também aprovou o corte de cinco zeros do bolívar e a nova política de preços da gasolina, que inclui um censo de veículos automotores que começou nesta sexta-feira (4).

A intenção do regime é atrelar o subsídio ao combustível, um dos mais baratos do mundo, à Carteira da Pátria, documento usado para o controle de programas sociais e da distribuição de alimentos.

Para León, as iniciativas econômicas são uma forma de amenizar a insatisfação popular com o colapso econômico e a hiperinflação, que deve chegar a 1.000.000% neste ano, segundo o FMI.

"Ele está anunciando aos poucos as medidas para não dizer que se articula um plano de ajuste, mas há pouca possibilidade de sucesso. A proposta não é liberar o preso, mas permitir que ele tenha comida, visita íntima e possa ficar mais tranquilo e até aplaudir, mas não o solta."

Membro da Comissão de Economia da Assembleia Nacional, o deputado opositor José Guerra considera que o regime não sabe o que fazer com a economia.

"O problema é o fracasso do modelo econômico socialista que eles se negam a mudar e por isso é que querem introduzir mudanças sem mudar a essência do modelo", disse ele, para quem a crise não tem solução com Maduro no poder.

"Ninguém confia nele porque é muito contraditório e, além disso, não tem ideias modernas do que é uma economia competitiva."

A comissão à qual pertence Guerra é a única instituição pública a divulgar índices de inflação do país desde 2016, quando o chavismo divulgou seu último cálculo da alta de preços no país.

Assim como o grupo, a Assembleia Nacional continua a se reunir no plenário ao lado da poderosa Constituinte, considerando ilegais todas as medidas da Casa vizinha, que não reconhecem.

Na quarta (1º), o plenário declarou pela terceira vez o abandono de cargo de Maduro, após pedido dos juristas escolhidos por eles em julho para compor o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ).

Acusado de traição à pátria pelo chavismo, o grupo fugiu do país para não ser preso e se reúne em Bogotá, mesma cidade onde despacha Ortega Díaz. Também estão no exterior ex-membros do Parlamento, como o ex-presidente da Casa Julio Borges e o deputado José Manuel Olivares.

Enquanto isso na Venezuela, a oposição aprofundou suas divisões depois da decisão do ex-governador Henri Falcón de concorrer à Presidência em maio. Tanto a coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática quanto a nova Frente Ampla Venezuela Livre passam por dificuldades.

"O principal problema da oposição é a disputa pelo poder. Por isso a maioria da população não sente confiança nesses líderes. É preciso oferecer uma aliança com uma mensagem de credibilidade, de esperança e de liderança contra a crise", disse León.

Ele cita como exemplo que o percentual da população que confia na Assembleia Nacional é pouco menor dos que confiam na Constituinte. Deputado independente, Guerra disse que uma união deverá sair nos próximos dias, mas que deve haver uma autocrítica.

"Há uma situação social explosiva que cria condições para a mudança e, para isso, requere-se uma oposição coesa e com programa claro."