RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) irá ampliar sua Comissão para a Proteção dos Menores, na esteira de um apelo papal para que a Igreja Católica tome medidas concretas contra o abuso sexual cometido por clérigos contra crianças e adolescentes.
Até então apagada dentro da entidade e desconhecida mesmo entre integrantes da igreja, a comissão terá seu papel alargado, disse à reportagem o presidente na CNBB, cardeal Sérgio da Rocha.
Ele estava entre os quase 200 líderes católicos que se reuniram no Vaticano em fevereiro, para A Proteção dos Menores na Igreja, encontro que contou com todos os líderes de Conferências Episcopais (instituições como a brasileira CNBB).
Do papa Francisco o grupo ouviu que “o santo povo de Deus está olhando para nós e espera de nós mais do que simples condenações”.
A igreja torce para que 2019 seja o ponto de virada numa crise que vem corroendo sua credibilidade, após o Vaticano passar décadas abafando escândalos sexuais que contaminam desde sua base, em paróquias ao redor do mundo, até o alto escalão.
Só recentemente, a dois dias da conferência com o pontífice, a Santa Sé tomou a inédita iniciativa de remover o estado clerical de um de seus figurões o ex-arcebispo de Washington Theodore McCarrick, 88, caiu por molestar ao menos um adolescente nos anos 1970.
A comissão responsável por tratar do tema no Brasil está sob tutela de dom José Negri, bispo de Santo Amaro, diocese que cobre 112 paróquias no estado de São Paulo.
A unidade é vizinha de outra diocese paulista, a de Limeira, que é alvo de investigações tanto do Ministério Público quanto da Justiça canônica.
O bispo local, dom Vilson Dias de Oliveira, é suspeito de tentar extorquir dinheiro de membros do clero (teria pedido, por exemplo, R$ 50 mil a um padre para colocar armários em casa), de aumentar seu patrimônio com recursos desviados da igreja e de acobertar o padre Pedro Leandro Ricardo, afastado da Basílica de Santo Antônio, em Americana (SP), após o jornal Folha de S.Paulo revelar denúncias de abuso contra menores, em janeiro.
Suspeita-se que dom Vilson tenha feito vista grossa para os crimes do padre, que em troca silenciaria sobre as infrações do superior. Os dois negam quaisquer malfeitos.
Fora a comissão, a CNBB também elaborou um texto com orientações a seu corpo eclesiástico, “Cuidado Pastoral das Vítimas de Abuso Sexual”. Com publicação ainda pendente, mas prevista para breve, o documento foi aprovado em outubro pela Congregação para a Doutrina da Fé setor da Cúria Romana que investiga crimes sexuais praticados por algum membro da igreja.
Também está no calendário a implementação no Brasil de um projeto-piloto do Vaticano, uma espécie de ouvidoria para vítimas de pedofilia.
O país será, junto com Zâmbia e Filipinas, pioneiro no programa, que por aqui ficará sob responsabilidade de Nelson Giovanelli, fundador da Fazenda da Esperança, centro de recuperação de dependentes químicos em Guaratinguetá (SP) que, em 2007, recebeu o papa Bento XVI.
Giovanelli diz à reportagem que quatro vítimas integrarão esse painel, só uma delas molestada por um clérigo (as outras tiveram como abusadores pessoas de fora da igreja).
Ele explica como a igreja é orientada a proceder quando uma denúncia que a atinge chega aos ouvidos de um bispo: ele deve começar um processo de “investigação prévia” e, dependendo da legislação de cada país, ver se é o caso de levar o caso ao tribunal civil.
“No Brasil não existe a obrigatoriedade, somente se a família quiser fazê-lo. Os anglo-saxões, onde o problema explodiu em primeira mão, são mais rígidos”, diz.
A praxe é manter o processo canônico em sigilo. A pena máxima, se o réu for considerado culpado, é destituí-lo da condição de clérigo, uma penalidade abaixo da maior das punições, a excomunhão (expulsão da igreja).
Giovanelli representa o Brasil numa comissão lançada por Francisco em 2014 sobre o onipresente tema do abuso a menores. Segundo ele, a delegação veio para “dar subsídio ao papa no sentido de descobrir melhores práticas de escuta das vítimas”, e também responder a uma pergunta de paróquias de todo o mundo: o que devemos fazer?
Foram ao menos duas deserções desde que a comissão foi criada, entre elas a irlandesa Marie Collins, que a deixou em 2017, reclamando de que era difícil avançar com tão poucos recursos e tamanha resistência cultural no clero. Marie tinha 13 anos quando um capelão que prometeu a seus pais zelar pela filha, internada num hospital, a estuprou e tirou fotos dela.
Diz o presidente da CNBB: “Embora um único caso seja sempre inaceitável, as situações variam. É necessário aprofundar o estudo dos fatores que têm levado a casos de abusos e a sua real dimensão nos diversos contextos socioculturais. O campo da formação nos seminários e o da formação permanente dos padres necessita de maior atenção, principalmente a formação humano-afetiva dos candidatos ao sacerdócio, assim como o acompanhamento dos que já são ordenados”.