*Daniel Laufer e Maria Francisca Accioly 

O que define o status de investigado é contexto no qual o jurisdicionado se insere. Ser qualificado como testemunha ou como investigado não é tarefa relegada ao bel prazer da autoridade que preside a sua inquirição, seja ele, por exemplo, juiz, delegado ou mesmo presidente de uma CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito. Apenas poucas situações concretas trazem dúvidas diretas sobre a distinção entre testemunha e investigado. No mais das vezes a verificação é feita de plano, bastando o cumprimento dos mínimos deveres por parte do agente inquiridor.

Determinado agente público, no caso um ex-Diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, sobre o qual pendem suspeitas da prática de ilícitos penais, suspeitas estas estampadas em todos os meios de comunicação do país, obviamente está alçado à categoria de investigado. Isso é de uma evidência flagrante e incontornável, perceptível por todo e qualquer cidadão brasileiro. Pouco importa se este ex-Diretor seja ouvido num inquérito policial, numa investigação levada a cabo pelo Ministério Público ou ainda perante uma CPI. Em todo e qualquer depoimento, isso se o quiser fazê-lo – pois o direito ao silêncio lhe é assegurado – estará sob o status de investigado e nunca de testemunha.

Daí porque o ocorrido no último dia 07 de julho em sessão da “CPI da Covid” revelou o absurdo.

O ato de faltar ou calar a verdade, por parte de testemunha, é crime capitulado no artigo 342 do Código Penal e nomeado como falso testemunho, sendo ali igualmente incriminadas as condutas do perito, do contador, do tradutor e do intérprete que em processo judicial ou administrativo façam afirmação falsa, neguem ou calem a verdade.

Portanto, o ato de faltar ou calar a verdade no Brasil – quando este ato provenha de um investigado – é conduta atípica e não passível de sanção penal, o que resulta em medidas cautelares pessoais, tal como a prisão em flagrante, descabidas, ilegais e nulas. Nenhum investigado no Brasil pode ser preso ou processado por não revelar a verdade buscada (e sonhada) pela autoridade que o inquire.

Ao que parece o ex-Diretor em questão nunca sairia livre da sessão do dia 07 de julho. Caso se negasse a responder às perguntas teria incidido na conduta de calar a verdade. Como respondeu às perguntas e as autoridades compreenderam que as versões dadas não condiziam com a verdade, inserido pois na modalidade de negar a verdade. Nada podia ser mais equivocado, fruto de uma retórica e argumentação que desconhecem, propositadamente, que ao acusado ou investigado o deixar de responder perguntas ou respondê-las em desacordo com a realidade do que efetivamente ocorreu são condutas atípicas no direito brasileiro. E mais, fruto daquilo acima já assinalado e consistente na impossibilidade de fixação de status de testemunha ou investigado pelo critério subjetivo do inquiridor.

A prisão em flagrante do ex-Diretor como visto apenas reforça a ideia da importância da concessão de Habeas Corpus prévio ao depoimento e que assegure o óbvio, isto é, o direito de permanecer em silêncio, evitando eventual prisão ilegal ao se optar por não responder aos questionamentos. É no mínimo curiosa a necessidade de se provocar o Poder Judiciário para que se obtenha o reconhecimento de um direito garantido constitucionalmente, quanto mais em sede de Comissões Parlamentares de Inquérito, uma vez que seus integrantes conhecem, ou ao menos deveriam conhecer, a legislação brasileira.

A questão, portanto, se resolve por meio de dois pilares normativos que não podem ser esquecidos.

O primeiro é o direito ao silêncio, próprio de regimes democráticos, previsto na Constituição da República no artigo 5o, LXIII, ao determinar que “LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.” Tal garantia fundamental é ainda reforçada pelo contido na Convenção Interamericana dos Direitos Humanos (conhecido como Pacto de São José da Costa Rica), ratificada pelo ordenamento brasileiro por meio do Decreto 678 de 1992, na qual o artigo 8, item 2, letra g) que assegura o direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem a declarar-se culpado.

O segundo é a redação do crime de falso testemunho ou falsa perícia (artigo 342 do Código Penal) que revela atípica a conduta de investigado ou réu ao realizar as condutas ali descritas. Discordar da redação do artigo 342 do Código Penal é algo totalmente legítimo. Validar, porém, como criminosa a conduta de investigado que mente em juízo ou em procedimento investigatório deve ser desenvolvida em seu assento correto, seja acadêmico ou legislativo, mas nunca por meio da derrogação pela força ou pelo argumento de autoridade e em audiência pública.

Respeitar a Constituição e o Código Penal nada tem a ver com orientações políticas ou em ser a favor ou contra a “CPI da Covid”.

Triste dia, este 07 de julho de 2021, para as instituições e para a democracia brasileira. Pelo visto o flagrante sim existiu, mas foi um flagrante de insensibilidade, de ilegalidade e de insensatez.

* Daniel Laufer – Doutor em Direito (PUC-SP) e Maria Francisca Accioly – Mestre em Direito (UFPR). Ambos são advogados criminalistas e sócios no escritório Accioly Laufer Sociedade de Advogados 



DESTAQUE

Especialistas em M&A de Curitiba criam o primeiro instituto do Brasil para educação de empresários

Um grupo de empresários especialistas em aquisições e M&A criou o IDEFA (Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Fusões & Aquisições). A instituição é a primeira associação civil a focar no desenvolvimento das atividades das empresas de médio porte e do setor de fusões e aquisições no Brasil.

E para iniciar suas ações, os especialistas já disponibilizaram o primeiro conteúdo de atualização. Organizado pela Redirection, consultoria especialista em fusões e aquisições de empresas médias, o e-book gratuito “Guia Prático de Avaliação de Empresas (Valuation)” já disponível para download.

“Tratamos o IDEFA como uma forma de promover o crescimento sustentável do setor de fusões e aquisições no Brasil, através do desenvolvimento das empresas de médio porte e dos profissionais que atuam nesse segmento”, explica Vinicius Oliveira, sócio da Redirection, uma das fundadoras do Instituto. “Paralelamente, queremos educar o setor com iniciativas como este e-book gratuito, que introduz esse mundo aos interessados. Serão lançados materiais trimestrais, de diversos assuntos, sempre com esse intuito”.

O “Valuation”, a grosso modo, trata da determinação do valor de uma empresa. O foco do e-book é apresentar aos interessados – proprietários e diretores de empresas, além de profissionais do setor de investimentos e jurídico – um guia simplificado de como ele é elaborado. (E-book gratuito: Guia Prático de Avaliação de Empresas (Valuation), por Redirection. Download em: http://idefa.rds.land/guia-de-valuation) 



ESPAÇO LIVRE

Os golpes pelos sites de venda

*Marcelo Campelo

Recentemente, os golpes em grandes sites de venda têm sido mais frequentes. Por isso, a preocupação quanto a esse crime é importante. Uma das principais formas de se aplicar esses golpes pela internet é aquele em que o estelionatário copia o anúncio de um veículo, oferece-o por um preço atraente e faz a ponte entre vendedor e comprador. Assim, o criminoso pede parte do valor adiantado ou na assinatura dos documentos. A lábia é tão eficaz que o agente consegue que as pessoas se dirijam ao cartório para assinar o documento de transferência sem se falar, contando uma história de que é parente e o depósito deve ser feito em uma conta indicada por ele. A vítima, interessada no negócio, realiza o depósito e o agente some com o dinheiro rapidamente. Infelizmente só descobre o golpe depois que não consegue mais rastrear o dinheiro. 

Outra forma de golpe muito comum na internet é o golpe do boleto. As pessoas recebem uma oferta especial de algum produto por e-mail, geralmente uma oferta bem atraente, com informação de que deve pagar o boleto para não perder a oportunidade, assim, corre, paga o boleto e perde seu dinheiro. No caso dos boletos, a pessoa pode conferir a sua origem, quem o emitiu antes de pagar, e, por essa razão, os estelionatários fazem uma oferta que cega a pessoa que deseja pagar rapidamente para garantir a oportunidade. 

Existe uma forma mais sofisticada de golpe, no qual o usuário recebe um e-mail ou uma mensagem de whatsapp de uma oferta, como sempre, com preço muito atraente, no qual, quando clica, o link entra em um site igual ao da loja com o produto em oferta. O usuário faz o cadastro, emite o boleto, paga e nunca recebe o produto. Nesses casos, o rastreamento do dinheiro se torna praticamente impossível, pois os agentes transferem rapidamente para diversas contas e utilizam contas de laranjas para emissão de boletos. 

Por derradeiro, o golpe que tem causado mais prejuízo ainda continua sendo aquele em que a pessoa recebe a ligação de um agente que finge ser do banco e coleta informações para realização de transferências. Geralmente os estelionatários ligam para o financeiro de empresas que acabam por não ter todos os cuidados de uma conta de pessoa física e nesse caso, infelizmente as transferências são vultosas. 

O único caminho para se evitar este tipo de golpe é a prevenção, não há outra maneira. E, por sinal, prevenir é simples, passa pela conferência dos documentos e não acreditar em milagres. Mas a principal dica é: não pague se tiver o mínimo de dúvida e confira várias vezes antes de realizar o depósito.

* O autor é advogado especialista em Direito Criminal www.marcelocampelo.adv.br 



PAINEL JURÍDICO

Crédito alimentar

A Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) promove hoje (quarta-feira, dia 21/7), às 19 horas, o evento 100% digital  “Crédito alimentar e flexibilidade procedimental em tempos pandêmicos e pós-pandêmicos”. A palestrante será Fernanda Tartuce. Mais informações e inscrições: https://www.aasp.org.br/eventos/

Podcast

No quarto episódio do Clève Podcast, do escritório Clèmerson Merlin Clève, a advogada Ana Carolina de Camargo Clève, presidente Iprade, conversa com José Eduardo Cardozo, jurista e ex-advogado geral da União, sobre o papel das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). Disponível no link: https://pod.fo/e/d9550

Digitalização

A Access acaba de vencer, pela segunda vez consecutiva, a concorrência realizada pelo TRT da 2º Região, maior tribunal trabalhista do país, para a digitalização de 85 milhões de imagens que será feito no período de doze meses.

Curso de extensão

A Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB) iniciará, em agosto, a primeira turma do curso de extensão sobre os fundamentos e os aspectos práticos do Direito Digital. As aulas serão ministradas pelos professores Rodolfo Tamanaha e Marcelo Bechara nos dias 16, 18, 23, 25 e 30 do próximo mês. A carga horária total é de 15 horas. Inscrições neste link.

Destaque

A Advocacia Correa de Castro foi listada no ranking “Chambers & Partners”. A banca obteve a posição de destaque na categoria “General Business Law: Paraná” e a sócia Adriana D’Avila Oliveira também foi reconhecida pela publicação como destaque entre os profissionais paranaenses



LIVRO DA SEMANA

Esta obra trata de dois assuntos contemporâneos: a Lei Geral de Proteção de Dados e o Compliance. Parte da gênese das informações, comunicação, dados, o ordenamento jurídico brasileiro, rules da tecnologia e a governança da tecnologia da informação, as relações de trabalho, o cuidado das informações na reprodução humana assistida, a publicidade na advocacia e no poder judiciário, as regras de conduta e anticorrupção no terceiro setor, na saúde, nos contratos administrativos, no futebol, a quebra de sigilo, como quebra de confiança.