Divulgação/ TJGO

A Justiça de Goiás condenou o proprietário da página humorística “Te Sento a Vara” a indenizar um idoso chamado João Nunes Franco em R$ 100 mil por uso indevido de imagem na criação de um meme. A imagem da vítima, um senhor de 91 anos, foi difundida para mais de 6 milhões de seguidores no Instagram e sua foto costumava aparecer junto de mensagens depreciativas. A página chegou, também, a comercializar produtos com essas reproduções.

Para o juiz da 2ª Vara da comarca de Cristalina, Thiago Inácio de Oliveira, houve ofensa à honra do idoso. “Revela-se inquestionável que um idoso prestes a completar 92 anos de idade, nascido nos idos de 1927 no interior de Goiás, sertanejo, que guarda consigo tradições e costumes divorciados da desvairada era da internet mal usada, abala-se psicologicamente ao deparar-se com sua imagem vinculada a situações extremamente vexatórias, sem contar que difundida mundo afora”, destacou.

O perfil que usa a imagem do idosos está presente em diversas redes sociais, como Facebook e Twitter (além do Instagram, já citado e que concentra maior número de seguidores). Além disso, todo o conteúdo que é publicado está sujeito a compartilhamentos, o que acaba por ampliar ainda mais o seu alcance. “Em simples pesquisa na plataforma de busca ‘google.com’, ao digitar o grosseiro e despudorado termo ‘sentoavara’ ou ‘sento a vara’, rapidamente o primeiro link remete à imagem do idoso”, observou o juiz.

Dentre as frases ligadas ao retrato de João, estão coisas como: “Vendo meu juízo… Novinho na caixa, nunca usado”; “Te sento a vara moleque baitola”; “Tudo que eu quero comer … Ou é caro, ou engorda, ou visualiza e não responde”.

De acordo com o magistrado, as frases inseridas sobre “a séria e respeitável imagem do requente, visualizada por milhares de pessoas, ultrapassa, e muito, as raias do mero aborrecimento”. O próprio idoso relatou que seu retrato foi tirado décadas atrás e que só soube que havia ‘viralizado’ por causa de suas netas. A foto original estava num blog de fotografias antigas de pessoas que viviam em Campo Alegre de Goiás.

Morador na maior parte de sua vida em zona rural e avesso às tecnologias, relutou em ajuizar o processo: imaginava que a fama indevida terminaria sozinha e a simples menção ao assunto o aborrecia bastante. “Ele não sabia dos seus direitos e da dimensão que tomou sua fotografia. Ele ficou muito triste e foi difícil convencê-lo de que era preciso uma medida judicial para por um fim nisso”, afirma a sobrinha-neta, Jéssica Franco Santos, que atuou como advogada no processo.

Em defesa, o dono da página, Henrique Soares da Rocha Miranda, alegou que a fotografia de João que ele encontrou, por acaso, na internet em 2014, seria de domínio público e uso livre. Devido ao sucesso dos memes, ele requereu ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) o registro da marca “te sento a vara” e cadastrou a pessoa jurídica da sua página.

No entendimento do julgador da causa, entretanto, a tese defendida pela parte ré não mereceu acolhimento. “O direito à imagem se encontra elencado no rol dos direitos da personalidade, os quais, à luz do artigo 11 do Código Civil, são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”. Além disso, o juiz destacou que é aplicável, também, o Estatuto do Idoso, em seu artigo 10, que dispõe sobre obrigação do Estado e da sociedade assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais”.

Sobre o dano moral, Thiago Inácio ponderou que houve ato ilícito, que causou transtornos à vítima. “Os memes visualizados por centenas de dezenas de seguidores de tais redes sociais apresentam frases pejorativas, indelicadas e depreciativas, as quais envolvem diretamente a imagem do requerente, podendo lhe causar, no mínimo, constrangimento e forte desconforto. Convém registrar que muitos idosos, notadamente da idade do requerente, nascido na década de 20, sendo munícipe tradicional em cidade do interior de Goiás, inclusive tendo sua história de vida contada em blog da cidade, guardam princípios morais de uma sociedade conservadora. A corroborar, há documentos demonstrando a mercancia de produtos vinculados à imagem do idoso, acompanhado do rude título “Sento a Vara”, quadro que contribui com maior exteriorização indevida da imagem.” Veja sentença.