Franklin de Freitas – Entulho da construção: um problema de descarte correto

Curitiba gera 1,9 milhão de toneladas de resíduos gerados por construção civil todos os anos. O índice do Ministério do Meio Ambiente considera de 520 kg de resíduos da construção civil (RCC) por habitante/ano, e a população estimada pelo IBGE em 2019 para a capital. De acordo com levantamento divulgado pelo Conselho Regional de Engenharia do Paraná (Crea-PR), cerca de 98% desse material (principalmente entulho e madeira) poderiam ser reciclados, dentro do próprio canteiro ou em centrais externas especializadas.

Um dos problemas que dificultam a destinação correta está na atuação de empresas clandestinas e na falta de fiscalização. Empresários ouvidos pela reportagem estimam que cerca de 150 empresas de recolhimento de entulhos atuem regularmente em Curitiba e outras 150, sem documentação. Essas seriam as vilãs do meio ambiente.

A proprietária de uma das maiores locadoras de caçambas de entulhos de Curitiba, que pediu para não ser identificada por receio de retaliação de concorrentes, reclama da atuação de empresas clandestinas na capital e Região Metropolitana. “Quando solicita locação de caçamba, com licenças, tem toda a documentação que a empresa deve apresentar para o cliente. Temos certificação de destinação, a MTR, que é a licença de transporte, precisa de licença do Instituto Ambiental do Paraná, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e tudo isso tem que pagar. Tenho que ter essas notas e enviar para Secretaria do Meio Ambiente todos os meses, para comprovar o trabalho. O problema são as empresas que trabalham clandestinamente. Nós oferecemos as notas fiscais, tudo certo. A clandestina não tem nota, não paga taxas, não paga imposto, então lógico que vai ser mais barato. Em Curitiba e região tem muitas empresas clandestinas. Só em Curitiba, em torno de 50 empresas atuam sem documentação”, denuncia.

Além de todo o processo de separação e destinação, as empresas de caçambas também devem obedecer as regras de trânsito, relacionadas pela Superintendência de Trânsito de Curitiba (Setran). “No Centro de Curitiba, por exemplo, a colocação de caçamba precisa seguir a regulamentação. Precisamos pagar todas guias, as taxas do Setran, o Estar, e a gente apresenta para o cliente para mostrar transparência e permanecer no mercado”, justifica.

De acordo com a empresária, as empresas licenciadas seguem rigoroso sistema de reciclagem. “O material comum, como concreto limpo e madeira pode ser destinado a aterro licenciado. Os materiais contaminantes devem ser levados para as usinas. A gente envia para Cetric (Central de Tratamento de Resíduos Sólidos), em Araucária; e a Essencis Soluções Ambientais (na CIC), todas emitem o certificado de destinação correta que a gente apresenta para o Meio Ambiente. Também tem a Ocepar (Organização das Cooperativas do Paraná) que recebe concreto e madeira”, detalha.

O preço médio para contratar o recolhimento de entulhos em Curitiba gira em torno de R$ 200,00 a R$ 230,00, segundo ela. “Caçamba de 5 metros cúbicos varia de 200 a 230, com caliça limpa (concreto), que somente o custo para aterro comum é de R$ 50,00, só para descartar no aterro”, diz. A prefeitura de Curitiba permite a permanência de uma caçamba pelo período de três a cinco dias. No caso de material contaminante, como gesso, o preço é mais alto. “Em torno de R$ 450, dependendo do material. Quando é gesso e drywall a gente manda para o HSG Reciclagem de Gesso, em Pinhais. O clandestino joga em qualquer lugar. O cliente liga para a gente e diz que ‘conseguiu por R$ 130 ou R$ 150’. Claro, sem destinação correta fica fácil”, reclama. Empresas grandes não costumam contratar clandestinas porque precisam comprovar com a certificação de destinação.

O pedido da empresária para não ser identificada, diz, decorre de uma concorrência considerada por ela como desleal. Ela afirma que empresas clandestinas também costumam retaliar concorrentes quando se consideram ameaçadas, inclusive com depredação e roubo de caçambas. “Roubam caçamba, marcam caçamba. Tem roubo. Chega um caminhão e rouba. Quando a gente vê simplesmente a caçamba sumiu. Uma caçamba nova custa em torno de R$ 2,5, mil”, calcula.

A empresária recomenda que os clientes fiquem atentos aos serviços, já que, segundo ela, é fácil identificar quem trabalha de maneira irregular. “Quando a caçamba não tem faixa refletiva, não tem as pinturas e contatos da empresa, já pode desconfiar que todo o resto pode estar errado. A pessoa tem que questionar. Inclusive o preço. A minha locação esta mais cara por causa da separação e destinação correta. Isso tem um custo óbvio”, justifica.

Ela afirma que a fiscalização existe, mas que ainda é insuficiente para o número de irregularidades. “A fiscalização é importante, mas tinha que ser mais. “No site da Setran, nos sites das empresas que trabalham de forma correta já tem as explicações sobre as normas”, orienta.

Falta de dados trava criação de soluções

Embora não haja dados precisos, o que é um dos principais problemas do segmento, o Caderno Técnico sobre Resíduos Sólidos publicado pelo Crea-PR aponta que a atividade de reciclagem e reaproveitamento ainda é pouco debatida. De acordo com o vice-presidente da Associação Paranaense dos Engenheiros Ambientais (Apeam), Luiz Guilherme Grein Vieira, que é também responsável pela atualização do Caderno Técnico do Crea-PR, o cálculo do setor é de que o Brasil reaproveita 21% dos resíduos da construção civil. Na Alemanha, por exemplo, o índice chega a 90%. Um verdadeiro 7 a 1 no canteiro de obras.

“A gente tem muita dificuldade com relação a números. Mesmo esse valor dos 21% é um número bem questionável. Para planejar alguma coisa, fazer uma gestão de alguma coisa, é saber quanto se tem dessa coisa. No plano estadual de resíduos uma das propostas é criar um sistema de informações. Em vez de ter um papel para cada caçamba, a gente tenha um sistema informatizado. Lá na prefeitura tem uma pilha de papel. E nunca foi feito esse levantamento. Tendo esse número correto vou saber que gero 2 milhões de toneladas. O que é feito com esse restante, vai para onde? Rastreando é possível fazer um plano, um Ecoponto, uma legislação para criar novas usinas, formas de incentivo à reciclagem”, avalia.

A fiscalização da atuação profissional é responsabilidade do Crea, já a prefeitura monitora as licenças e danos ambientais. “O pessoal do departamento de limpeza pública comentou em um evento na semana passada que houve redução de pessoal que faz a fiscalização da prefeitura. O Crea tem feito essa fiscalização nas obras, que é cobrar a atuação dos profissionais. E cresceram. Em 2017 foram 160 fiscalizações. Em 2018 saltou para 893 e em 2019, até agora, foram 593”, afirma.

Iniciativas das próprias empresas e indivíduos responsáveis pelos resíduos também são vistas como evoluções na construção civil aliada ao meio ambiente. “Existem algumas soluções como o britador móvel, que em vez de ter que manter uma usina, que é mais cara, pode com o britador reduzir bastante na própria obra. Alguns mecanismos também não geram resíduos, o que ajuda bastante”, sugere.

Segundo Vieira,o Plano Estadual de Resíduos Sólidos do Paraná (PERS/PR), de 2017, mostrou que, dos 81 municípios que responderam à pesquisa, 92% destinavam os resíduos em locais inadequados, ou seja, sem a devida licença ambiental. “Parte dos resíduos de construção é composta por  materiais perigosos, como tinta, solvente, EPIs contaminados, que, destinados de forma inadequada, podem contaminar o solo, a água subterrânea e a água superficial, causando impactos ambientais. Você pode contaminar o solo, a água subterrânea, a água superficial, causando vários problemas de saúde. O entulho também é um atrativo grande de vetores, como ratos e moscas, que podem causar doenças para a população”, acrescenta.