O teatro está cheio. Na N19 e N20 uma família com duas crianças menores de quatro anos. Na O20 e O21, pai, mãe e uma menininha de cinco, no máximo. A O19 é a minha. O som da sala é da mistura de vozes e dos sinais. Depois do terceiro, como se uma professora respeitada tivesse pedido silêncio a sua turma mais obediente, silenciaram todos. Já dali, fiquei comovida. Esses acordos coletivos me impressionam. 

Está tudo escuro. Um grupo de pessoas de cabeça baixa, fora do foco de luz, desenrola o que, a princípio, parece ser um grande tapete. Foi daí que começaram as perguntas de meus vizinhos: “o que eles estão fazendo, mãe?”, “Quem é esse?”, “E essa?”, “E isso?”. Uma vez desenrolado o objeto, se faz ver, na verdade, um conjunto de objetos. São muitos panos soltos, coloridos, cheios de estampa. Um todo feito de muitas partes.

Assim como nós, o conjunto de pessoas que se reunia naquela sala. Saem os desenroladores e entram, um a um, os bailarinos nus, em pêlo. Com o passar do espetáculo, nos damos conta de que são os mesmos. Todos lindos, homens e mulheres, cada um em seu movimento. E de novo: “Olha lá, tá pelado”, “Mãe, quero mamar”, “Vamos embora?”, “Por que tá demorando?”, “Vê que pulão”, “Uma sereia!”.

Sempre que vou a um espetáculo, seja ele da natureza que for, me interessa o momento único que se produz naquela uma apresentação. Por mais que haja temporadas, ensaios e rotinas, nunca mais haverá a mesma conjunção de fatores. A temperatura lá fora, a notícia que um dos bailarinos pode ter recebido no camarim, o almoço de um outro que não fez bem, ou, ao contrário, que lhe lembrou um amigo há muito não encontrado, e, no caso de ontem, a lindeza da curiosidade do começo da vida.

Voltei pra casa de táxi. Ao primeiro boa noite, o motorista percebe a origem de meu sotaque, como quase sempre acontece nos táxis daqui. E também como quase sempre se dá, iniciamos a troca do “quando você chegou?”, “como foi?” e a “família segue lá?”. Um sempre que, como os espetáculos, também nunca é o mesmo. Quando comecei a contar, atinei para as datas. Este mês, faz 22 anos que moro em São Paulo. Este mês completei 44. É metade de minha vida.

Se Encatado, da Lia Rodrigues, passar pela sua cidade, não deixe de ir. Se uma data significativa, se fizer escutar, esteja atento, celebre. Se uma criança curiosa cruzar seu caminho, dance com ela. Boa semana queridos.

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