SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Numa decisão que é considerada um divisor de águas para a Operação Lava Jato, o plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) definirá se crimes comuns (como corrupção e lavagem de dinheiro), investigados em conexão com crimes eleitorais (como caixa dois), serão julgados pela Justiça Federal ou pela Eleitoral.

O caso, a ser julgado no próximo dia 13 de março, a pedido da Procuradoria-Geral da República, é considerado tão importante quanto a manutenção da prisão de condenados em segunda instância, que está na pauta do dia 10 de abril. Levantamento preliminar indica que, na Justiça Eleitoral, não houve condenados por corrupção nos últimos anos.

A Procuradoria que o Supremo separe os processos, enviando para a Justiça Federal os crimes comuns e para a Eleitoral os de caixa dois. Até agora, porém, o STF tem remetido tudo para as varas eleitorais -o que, para procuradores, pode gerar impunidade.

Procuradores da Lava Jato avaliam que essa é uma questão “de vida ou morte” para a investigação, que irá completar cinco anos em março. “Se a decisão for nesse sentido, vai ser catastrófico”, disse à reportagem o procurador Deltan Dallagnol. “O esquema de corrupção identificado na Lava era isso; ele alimentava campanhas eleitorais”, disse.

Segundo ele, uma decisão do STF para remeter esse tipo de caso à Justiça Eleitoral anularia toda a Lava Jato, por criar o que se chama de uma nulidade absoluta. Como a competência para julgar esses casos não caberia mais à Justiça comum, todas as ações e sentenças até aqui estariam em xeque. Também há risco às investigações em andamento.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, argumentou ao Supremo que os tribunais eleitorais não são aparelhados para julgar crimes complexos como os de corrupção e lavagem que vêm sendo descobertos.

“[Os eleitorais] São crimes mais simples, cujo processamento em geral é concluído em poucos dias, e que são apreciados por integrantes de uma Justiça que não possui quadro próprio de juízes, possuindo, ao revés, composição transitória e mista (formada por advogados não togados e por juízes)”, afirmou.

Na maioria das investigações resultantes da Lava Jato, investigadores têm encontrado elementos de corrupção junto com caixa dois. A lógica é que os políticos vinham destinando uma parte do dinheiro ilícito que recebiam para a campanha e outra parte para o próprio bolso.

No ano passado, o STF restringiu o foro especial, o que fez muitos processos descerem para a primeira instância. Além disso, vários políticos investigados perderam a prerrogativa de foro ao não se reelegerem, e agora o Supremo precisa transferir as investigações sobre eles.

É nesse contexto que, desde meados de 2018, a Segunda Turma do STF, responsável pela Lava Jato, vem enviando os casos à primeira instância eleitoral. O colegiado entende que essa Justiça, por ser especializada, tem preferência para julgar tanto os crimes eleitorais como os conexos.

Foi assim, por exemplo, com um inquérito sobre o ex-presidente Michel Temer e os ex-ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco, remetido à Justiça Eleitoral de São Paulo. Eles são suspeitos de negociar, em um jantar no Palácio do Jaburu, R$ 10 milhões de doação ilegal da Odebrecht para campanhas do MDB e R$ 4 milhões de propina de obras no aeroporto do Galeão, no Rio -o que as defesas negam.

A Procuradoria recorreu dessa destinação, sem êxito.

O caso que vai a plenário em março é um inquérito sobre o deputado Pedro Paulo (MDB-RJ) que apura suspeitas de caixa dois, corrupção e evasão de divisas em 2012, na campanha que elegeu Eduardo Paes (então no MDB) prefeito do Rio de Janeiro.

Aos ministros Dodge afirmou que, “caso se permita que boa parte dos crimes ligados às mais complexas operações da história do país sejam processados e julgados pela Justiça Eleitoral, será certamente necessário reformulá-la por inteiro, aumentando-se os recursos materiais e humanos”.

Outros casos que foram para a Justiça Eleitoral são um inquérito sobre o senador José Serra (PSDB-SP) e uma ação penal contra o ex-ministro Guido Mantega (PT).

CASOS QUE PODEM SER AFETADOS

Temer e o jantar no Jaburu

Denúncia contra ex-presidente Michel Temer e ex-ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco, todos do MDB. Eles são suspeitos de terem acertado caixa dois (crime eleitoral) com a Odebrecht em um jantar no Palácio do Jaburu, além de propina (corrupção)

Deputado no Rio

Inquérito sobre o deputado Pedro Paulo (MDB-RJ), suspeito de envolvimento em pedido de caixa dois e propina em 2012, quando seu aliado Eduardo Paes se elegeu prefeito do Rio. Caso é o que levará ao plenário a discussão sobre as atribuições da Justiça Eleitoral. Debate está previsto para março

Caixa 2 para Mantega

Ação penal contra o ex-ministro petista Guido Mantega, que tramitava na Justiça Federal no Paraná e foi suspensa pelo STF. Defesa alegou que processo era da competência da Justiça Eleitoral, porque haveria caixa dois além da acusação de corrupção e lavagem de dinheiro

Lava Jato

Na maioria das investigações e de seus desdobramentos, investigadores têm encontrado elementos de corrupção junto com caixa dois. A lógica é que os políticos destinam uma parte do dinheiro ilícito que recebem para a campanha e outra parte para o próprio bolso

ENTENDA A DISCUSSÃO

O que a Procuradoria pede

Que casos que envolvam caixa dois (crime eleitoral) junto com corrupção e lavagem (crimes comuns) sejam separados e processados pela Justiça Eleitoral e pela Justiça Federal

Argumento: Justiça Eleitoral não é aparelhada para julgar crimes complexos como corrupção, o que vai gerar impunidade

O que STF tem decidido

A Segunda Turma tem remetido tudo para a Justiça Eleitoral

Argumento: por ser uma Justiça especializada, a Justiça Eleitoral tem preferência para julgar tanto os crimes eleitorais como os crimes conexos (corrupção e lavagem)