Valquir Aureliano – A esquina das ruas Monsenhor Ivo Zanlorenzi e Paulo Gorski

Foi na madrugada do dia 07 de maio de 2009 que se escreveu um dos capítulos mais trágicos da historia do Paraná. Por volta de meia-noite e cinquenta, o então deputado estadual Luiz Fernando Ribas Carli Filho trafegava com seu Passat Variant preto, blindado, a mais de 160 km/h por uma avenida do bairro Mossunguê, em Curitiba. Num cruzamento no topo de um morro, ele, que estava alcoolizado, não desacelerou e passou direto, mesmo com a luz amarela intermitente de um sinaleiro. O carro decolou e aterrissou em cima de um Honda Fit, matando Carlos Murilo de Almeida, 20 anos, e Gilmar Rafael Yared, 26.

Dez anos depois, Christiane de Souza Yared, mãe de Gilmar, ainda está de luto. E ainda está na luta. “Nesses 10 anos minha vida parou, eu só faço isso. Trabalho para salvar vidas no trânsito. Trabalho com leis, projetos, programas, atendo famílias, atendo infratores. Minha vida virou isso, uma bandeira. Minha vida hoje é uma bandeira em favor do outro, tentando ajudar outras vidas”, diz Christiane, que hoje é deputada federal.

No aniversário dos dez anos de morte do filho, porém, ela permanecerá reclusa. O sentimento, diz, é de abandono. Carli Filho, responsável pela morte de duas pessoas, foi condenado pelo Tribunal do Júri, em fevereiro do ano passado, a 9 anos de quatro meses de prisão, o que deveria o obrigar a ficar até 1 ano e meio na cadeia (regime fechado). Os desembargadores do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), contudo, acolheram uma apelação da defesa e reduziram em fevereiro último a pena para 7 anos e 4 meses de prisão em regime semiaberto. Na prática, garantiram a liberdade a Carli Filho, que deverá ser obrigado apenas a usar tornozeleira eletrônica por algum tempo.

“Não, não vai ter (algum ato ou missa amanhã). Decidi só reunir a família mesmo e não vamos fazer nada. Até pensei em fazer algo no local (do acidente), mas não vou fazer. São 10 anos de tanta luta, 10 anos tão difíceis e parece que as coisas não caminham. Veja a questão do julgamento, no que deu… O problema não são as leis, é a Justiça”, reclama a política e mãe enlutada.

A expectativa, explica ela, era de que a Justiça tivesse feito outra leitura sobre o episódio, ajudando a criar uma jurisprudência mais dura com relação aos casos em que motoristas alcoolizados se envolvem em ocorrências de trânsito. A oportunidade, contudo, foi perdida.

“A Justiça compreendeu que ele não tinha intenção de matar. Mas tenho certeza que meu filho não tinha intenção de morrer naquela noite. A pena do Luís Fernando tem tempo para acabar. A minha não. A leitura que fica é a de que a Justiça deu liberdade para poder beber e dirigir sem problema nenhum, até mesmo matar, porque vai responder e coloca uma tornozeleira. Fica uma certeza de impunidade muito grande”, lamenta Yared, contando ainda que a sensação mais forte que fica é a de abandono.

“A família que perde (um ente querido) sente-se abandonada pela Justiça. A sensação certa é essa, de abandono. Não tem para onde ir. Para onde vamos, para quem nós vamos clamar? Então parece que toda essa luta, esses anos todos, acabam dando a esses individuos que fazem o que querem e se acham acima da lei a certeza da impunidade.”

 

‘Não terá aumento da pena. O próprio MP sabe disso’, diz Yared

Há cerca de um mês, no começo de março, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) recorreu da decisão da Primeira Câmara Criminal do TJ-PR, pedindo que Carli Filho comece a cumprir pena em regime fechado e a revisão de uma série de pontos considerados omissos na sentença de primeiro grau e no acórdão do TJ-PR, o que poderia aumentar novamente a pena do réu.

Christiane Yared, porém, não demonstra mais ter esperanças na Justiça. “Não terá aumento da pena. O próprio MP sabe que não terá o aumento da pena. A decisão dos desembargadores é concreta. Eles (advogados e Ministério Público) questionam, mas é questão só de questionar. Mas…. O que temos de fazer é aceitar o que a Justiça fala, porque a Justiça fala e não nos sobra outro espaço. Não posso fazer Justiça com as próprias mãos, nem quero.”

 

Vida mudou completamente após acidente, conta mãe de jovem

Questionada sobre o que mudou nesses 10 anos de luto e de luta, Christiane Yared conta que a vida dela e de toda a família mudou completamente após a fatídica madrugada de 7 de maio de 2009. Hoje, todos trabalham juntos pela conscientização no trânsito. A própria Yared conta já ter feito mais de 2 mil palestras nesse período, o que acaba a ajudando a colocar para fora toda a dor que sente e o sentimento de saudade.

“Esses anos foram extremamente doloridos, anos em que a sensação de envelhecer… As vezes eu tenho a sensação de que meus 59 anos de idade são 89 anos. São noites sem dormir, lágrimas que continuam a cair. Nenhuma mãe merece enterrar os filhos, em circunstância nenhuma. Filhos são sonhos, lutamos para que eles sejam sonhos que a gente possa realizar. A gente vive os sonhos dos filhos. É muito difícil para a família que enterra seu filho dar sentido à vida depois. Nós ficamos sempre na espera de que a morte não tenha sido em vão, de que algo possa ser feito para ajudar outras pessoas”, finaliza.