SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após a repentina morte do treinador espanhol Jesus Morlán, 52, no último sábado (10) à noite, em Lagoa Santa (MG), o COB (Comitê Olímpico do Brasil) e a CBCa (Confederação Brasileira de Canoagem) lidam com duas preocupações imediatas.

A primeira, é evitar que a morte do técnico mexa de forma irreparável no estado psicológico dos atletas da seleção brasileira de canoagem, em especial Isaquias Queiroz, dono de três medalhas na canoagem velocidade na Rio-2016, que considerava o espanhol como um segundo pai. A segunda é manter vivo o legado do método de trabalho do espanhol, marcado por muita intensidade, rigor e preocupação com detalhes.

Contratado em parceria entre a CBCa e o COB em 2013, Morlán teve papel fundamental para mudar a canoagem do Brasil de patamar, e transformar Isaquias Queiroz no maior ganhador individual de medalhas do país em uma única Olimpíada. Nos Jogos do Rio, o atleta conquistou duas pratas (C1 1.000 m e C2 1.000 m, ao lado de Erlon de Souza) e um bronze (C1 200 m).

“Esse baque da perda já existe, não tem como ser evitado. O Jesus se preocupava muito com a questão familiar, tentava ajudar os atletas a se preocuparem como futuro, cuidarem bem de suas famílias, estarem felizes para renderem bem na água”, afirmou Jorge Bichara, diretor de esportes do COB.

“Tanto o Isaquias quanto o Erlon eram apegados demais a ele. Vamos fazer de tudo para que não se perca a qualidade da preparação, mas agora nossa preocupação é de dar conforto a eles”, completou Álvaro Koslowski, supervisor da canoagem velocidade da CBCa.

Pelas redes sociais, tanto Isaquias quanto Erlon se manifestaram sobre a morte de Morlán. “Ele não foi um técnico e sim um pai. Descanse em paz”, escreveu Isaquias em sua conta no Instagram.

Seu colega de equipe, Erlon de Souza, também postou uma homenagem ao treinador espanhol na rede social.

“Obrigado por tudo, não só pelas medalhas, mas por nos tornar uma família, que é algo que você preservou sempre, e por nos levar tão longe. Valeu muito a pena essa parceria”, disse o canoísta.

Além da preocupação com o lado emocional dos atletas, os dirigentes também pretendem, após alguns dias, analisar como ficará a manutenção da preparação da canoagem brasileira para a Olimpíada de Tóquio-2020.

Em entrevista em dezembro de 2016, logo após a cirurgia para remover o tumor no cérebro, Jesus Morlán disse que vislumbrava pelo menos duas medalhas no Japão, uma no C1 1.000 m e outra no C2 1.000 m.

O jeito metódico com o qual comandava a equipe poderá facilitar o trabalho, que a principio será mantido com o seu auxiliar, Lauro de Souza Júnior.

“Ele deixou todo o treinamento montado, tudo escrito, até o final de 2019. O dia a dia está montado até o início do ano que vem, mas é muito feito como reprodução do que ocorreu em anos anteriores. Como já temos o mapa da periodização, isso facilitará o trabalho da comissão técnica de elaborar os treinos do dia a dia”, afirmou Bichara.

A preocupação de Morlán com os detalhes era tanta que ele se preocupava em evitar até vazamento de informações.

“Ele tinha dois computadores na casa dele, um ligado na internet e outro não, porque tinha medo de ser hackeado. Neste computador, ficavam todos os arquivos de todos os treinamentos. Ao final de cada ano, ele se encontrava comigo e entregava toda a produção da temporada, planilhas de treinos, tudo o que foi feito”, afirmou o diretor do COB.

Segundo Koslowski, ele também se preocupava com detalhes aparentemente simples. “Ele tinha cuidados especiais com os barcos, cuidava para que estivessem sempre fechados com capas, bem amarrados”, disse.

“Ele tinha uma toalha especial, só quem podia limpar o barco antes de provas em Olimpíadas era ele. Ninguém podia botar a mão. Uma toalha que ele usou em oito finais de Olimpíadas e foram oito medalhas”, recorda Bichara.

A preocupação com os detalhes chegou até a influenciar na montagem do programa de provas da canoagem velocidade da Rio-2016.

“O Isaquias tinha uma particularidade que nenhum outro atleta tinha: competia em três provas. O programa não prevê este tipo de atleta, as eliminatórias, semifinais e finais eram mescladas, nas provas de 1.000 m simples, 1.000 m duplas e 200 m simples. Ninguém conseguia fazer mais do que duas, como o Isaquias. Junto com ele, conseguimos desenhar um modelo que não prejudicava ninguém na competição, mas faríamos com que o Isaquias competisse as três provas”, recordou o diretor do COB.