FOLHAPRESS – Durante os cinco primeiros minutos deste documentário de Otavio Cury vemos apenas pegadas na floresta. As marcas de pés na terra aparecem entremeadas com letreiros que reproduzem trechos do livro “A Queda do Céu – Palavras de um Xamã Yanomami”, do líder indígena Davi Kopenawa e do antropólogo francês Bruce Albert, que explicam como esse povo lida com a imagem. A pegada é uma marca, uma imagem de alguém.

Para os ianomâmis -que vivem na região tem torno da fronteira com a Venezuela-, a imagem pertence à pessoa. Acreditam que o uso da imagem por inimigos ou entidades malignas pode ter consequências terríveis ao indivíduo. A imagem, como uma fotografia ou um filme, eterniza uma lembrança da pessoa, algo considerado nocivo pelo sistema de crenças desses índios, em que os mortos são tabus e devem ser esquecidos. Tomar a imagem alheia é algo proibido nessa cultura.

Apesar de lançar essa questão logo de saída, o documentário a relativiza, afirmando que muitos ianomâmis já aceitam ter sua imagem registrada e mostra um ritual filmado pelos próprios indígenas. Em todo o caso, o filme se faz o tempo todo dentro dessa tensão.

Um dos melhores momentos que a explicitam é o longo plano do rosto de um agente de saúde indígena logo após ele ter falado sobre esse interdito. O desconforto do homem diante da câmera é perceptível, até que esta se desloca até outro índio que filma demoradamente a equipe com o celular.

A breve introdução sobre as pegadas, de contornos assumidamente etnográficos, dá lugar a um registro mais próximo da reportagem, em que profissionais de saúde de organismos governamentais atendem os índios em plena floresta. Diarreia, pneumonia e gripe são uma constante. Doenças trazidas pelos brancos que são combatidas com ineficiência pelos brancos.

A partir desse ponto e até quase o fim do filme mesclam-se depoimentos de enfermeiros e técnicos de enfermagem -geralmente com vários anos de trabalho junto aos índios, mas claramente pouco preparados para a tarefa- dando seus pontos de vista em relação aos ianomâmis e sua cultura.

Vários deles têm ideias estereotipadas e mal disfarçadas sobre a superioridade do homem “civilizado”, como o católico fervoroso que “batiza” as crianças indígenas. Alguns poucos manifestam admiração.

A cena final, um registro da cerimônia de inauguração da primeira Unidade Básica de Saúde Indígena, em 2015, é o retrato acabado do extermínio da cultura ianomâmi. Uma mistura indigesta de discursos, hino nacional -entoado em meio a imagens aéreas da floresta-, pai-nosso, cantos e danças rituais. Vários celulares são erguidos para documentam a cena.

A visada crítica de Cury é clara e oportuna, mas poderia ir mais fundo. Infelizmente nada é dito sobre a ameaça representada por garimpeiros -que trabalham ilegalmente no território ianomâmi, transmitem doenças mortais como a malária e poluem os rios com mercúrio- e pecuaristas -que invadem e desmatam as terras na fronteira leste.

COMO FOTOGRAFEI OS YANOMAMI

Quando: Em cartaz

Classificação: Livre

Produção Brasil, 2018

Direção Otavio Cury

Avaliação: Bom