Sai semana, entra semana e os casos de machismo explícito e violência contra a mulher continuam sendo superficialmente justificados por aí. Os últimos dias foram campeões em exemplos disso. Engana-se quem pensa que esses casos só acontecem no Brasil. Prova disso são os exemplos estrangeiros que também inundaram nossas redes sociais nas últimas semanas. Veja só:

– A polêmica que sucedeu a premiação do Globo de Ouro, que aconteceu no dia 7 de janeiro, foi um caso curioso. Depois de manifestações fortes contra o abuso sexual feitas durante a manifestação, um grupo de 100 mulheres francesas, capitaneadas pela atriz Catherine Deneuve, de 75 anos, assinou um manifesto defendendo o direito dos homens à paquera – e o direito de importunar a mulher. No texto, ela reconhecem que o estupro é crime e que a luta contra a violência é importante, mas dizem que há exageros. Imediatamente, um grupo de feministas rebateu o manifesto, lembrando que, na própria França, metade das mulheres se diz vítima de abusos sexuais.

– Uma montagem adulterando a foto da posse da nova ministra italiana da Defesa, Maria Elena Boschi, como se ela tivesse deixado o traseiro à mostra, também viralizou e virou motivo de piada e críticas – mesmo sendo a partir de uma montagem grosseira, muita gente compartilhou, riu e criticou. Muita gente afirmou que a ministra não teria condições de ocupar um cargo desses porque não tinha compostura – por usar um terno justo (ou, pior ainda, porque acreditaram na montagem da foto).

Aqui no Brasil os casos também abundam, infelizmente. A cada caso noticiado de estupro ou outros tipos de abusos, sobram comentários sobre a roupa e o suposto comportamento da vítima, colocando-a como culpada. O que muitas vezes não percebemos é o quanto essa violência está presente em nosso dia-a-dia, a ponto de não a vermos ou a acharmos natural. Analisemos alguns exemplos dos brasucas:

– A tal música Só surubinha de leve, do MC Diguinho, estava em primeiro lugar nas paradas virais até alguém perceber que a letra taca bebida, depois taca pica e abandona na rua era claramente uma apologia ao estupro.

– Da mesma forma, uma imagem que à primeira vista pode parecer apenas engraçada me chamou atenção há poucos dias nas redes sociais. Duas fotos são contrastadas, uma com um homem dirigindo uma Ferrari vermelha (com a expressão ‘CANTADA’), outra com um dirigindo um Chevette antigo (com a expressão ‘ASSÉDIO’). Muita gente que se acha engajada, cabeça aberta ou gente boa compartilhou, achando graça na mensagem que mostra que, se o homem for rico, pode cantar a mulher, mas se for pobre, vai ser encarado como assediador inconveniente. Neste exemplo, o curioso é que as pessoas compartilham a imagem sem se dar conta do quanto ela é equivocada e preconceituosa – reforçando o preconceito, portanto. Pela lógica e pelas estatísticas, é exatamente o contrário. Assédio é quando o assediador usa de poder para humilhar a assediada e conseguir o que quer – sexo, submissão ou seja lá o que for. Assim, aparentemente, o dono da Ferrari teria muito mais poder, pois poderia usar de prestígio, status, poder aquisitivo ou o escambau pra assediar eventuais vítimas. Digo aparentemente porque não é só o poder aquisitivo que pesa (embora seja o que a imagem sustenta), já que o dono do Chevette também poderia, em tese, usar de força física, chantagem, ameaças e outras coisas. Enquanto não compreendermos que galanteio ou paquera é diferente de assédio, enquanto a pressão e a força masculina continuarem sendo usadas no trabalho, no esporte, nas artes e em tantos momentos cotidianos, o mundo continuará colocando a mulher como culpada pelas mazelas que ela mesma sofre, até quando é taxada de sexo frágil.