Entre 1999 e 2006, Eduardo Moscovis e Ana Lucia Torre tiveram uma convivência intensa no teatro e na TV – da peça Eles Não Usam Black-Tie até a novela Alma Gêmea, na Globo, passando pelos espetáculos Norma e Tartufo, e o folhetim O Cravo e A Rosa.

Norma, em especial, simboliza um momento importante dessa parceria. Apenas com os dois atores em cena, a montagem foi apresentada entre 2002 e 2003, e depois entre 2005 e 2006. E, após 14 anos sem trabalharem juntos, é justamente Norma que promove o reencontro de Ana Lucia e Moscovis no palco, em única apresentação, gratuita e online, nesta quinta, 3, às 20h30.

A transmissão ao vivo será feita diretamente do Teatro Claro Rio, pelo YouTube do Sesc em Minas Gerais e do teatro, e também pelo canal 500 da Claro. “Estou bem emocionado em poder, no auge desta pandemia, reencontrar a Ana depois de tanto tempo. Eu a admiro demais. Tudo muito significativo”, diz Moscovis. “Foram praticamente 5 anos em que só trabalhei com ele. E a gente criou um laço, gosto muito de estar em cena com ele”, retribui Ana Lucia.

Com texto de Dora Castellar e Tônio Carvalho (que também assina a direção), Norma traz um encontro casual entre dois desconhecidos, Norma e Renato. Norma está de mudança para o apartamento onde Renato era o antigo inquilino. A vida dos dois é marcada por acontecimentos trágicos, mas cada um lida com as próprias dores de forma completamente diferente. “A peça fala sobre uma figura fechada nela mesma, muito sob um autocontrole, mas muito ressentida, amargurada com um monte de coisa que vai se revelando”, analisa Moscovis. “Os nomes são significativos: Renato de renascido e Norma das nossas normas, dos preceitos. Ele é um cara mais novo, e muito livre, leve, agradável. Ela vai recebendo esse cara, vai se sentindo à vontade com ele e, num determinado momento, se percebe enamorada. Ele corta e explica para ela que ele é homossexual. A peça dá uma virada, e ela fica muito agressiva.”

Um se torna o espelho do outro – para o bem e para o mal. Norma se revela homofóbica, acredita em cura gay. “Nesse encontro, talvez pela primeira vez ela tenha conseguido falar tudo o que queria e ele também. Aí começa a aparecer um entendimento e um pouco de humanidade na Norma”, observa a atriz. Passados 18 anos desde que a peça estreou, o texto continua atual. “Pensando na necessidade de se debater, e falar sobre tudo isso que a gente tem passado, principalmente neste atual governo, das violências e dos preconceitos, acho que é importante ressaltar isso. O personagem se chama Norma justamente por isso, pelas normas. É muito preconceituoso, arredio, temente a Deus, como se Deus rejeitasse todos os tipos de amor”, diz Moscovis.

“O que temos visto na nossa sociedade de crimes diários homofóbicos é uma coisa inacreditável”, pontua Ana Lucia. “É sempre oportuno falar, assim como é oportuno falar de qualquer preconceito.” A peça trata de outros temas, que também mexiam com as pessoas na plateia e as levavam a querer conversar com os atores após as sessões. “Vinham falar de abandono, traição, relação de mulher com homem mais novo ou vice-versa, solidão, perda de filhos e homossexualidade. Então, a gente aprendeu muito. Foi muito intenso tudo isso que aconteceu durante Norma”, ela conta. Refazer o espetáculo é um alento para Ana Lucia e Du Moscovis, pelo reencontro entre eles e com o palco.

Por causa da pandemia, Ana Lucia se viu obrigada a parar de trabalhar após mais de quatro anos sem férias. Ficou em isolamento em casa com a mãe de 95 anos, que morreu em junho. Mãe e filha passaram os últimos meses juntas, lado a lado. A atriz começa na segunda a gravar a próxima novela das 7, Quanto Mais Vida Melhor, e, no teatro, tem como projeto a montagem de Longa Jornada Noite Adentro, de Eugene O’Neill.

Já Moscovis entrou na pandemia com várias produções finalizadas: os filmes Veneza, de Miguel Falabella, Ela e Eu, de Gustavo Rosa, e Pai em Dobro, da Netflix, com direção de Cris D’Amato, em que contracena com Maisa Silva. E está em Os 8 Magníficos, último filme de Domingos Oliveira, que estreia no dia 10. Na quarentena, ele fez um filme com Cris, inspirado em Intimidade Indecente, peça de Leilah Assumpção, e viu estrear a série Bom Dia, Verônica, da Netflix, em que interpreta com maestria o serial killer Brandão. E agora o retorno de Norma. Com Renato, vai ao extremo oposto do vilão da série.

“O personagem faz um contraponto muito forte com o Brandão”, analisa Moscovis, que, em janeiro, participará do Festival Internacional de Teatro Santiago a Mil, no Chile, com seu solo O Livro. Voltar a trabalhar deu ao ator novo fôlego após meses de isolamento. “A arte salva.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.