O eleitorado brasileiro deu provas de avanço em termos de conscientização e de participação, não somente em trabalho organizado em prol de candidatos como também em mobilização democrática e saudável contra adversários, como se viu no movimento “ele não”, liderado por grupos femininos em oposição a Jair Bolsonaro. Para isso muito contribuiu a utilização das redes sociais. Aliás, a ferramenta foi muito mais usada nesta eleição do que nas anteriores. Os próprios candidatos fizeram pessoalmente uso dos mais diversos dispositivos de comunicação direta, basta ver que Bolsonaro, devido ao atentado que o imobilizou, não perdeu contato com seus seguidores e com aqueles que pretendia alcançar; mesmo no hospital se manteve virtualmente ativo. Youtube, Facebook, Instagram e Whatsapp se revelaram eficientes ‘palanques’ virtuais.
Percebe-se o povo brasileiro mais crítico e disposto a promover mudanças na mentalidade política (e principalmente dos políticos), haja vista que tradicionais e quase vitalícios caciques foram defenestrados nas urnas. Houve casos de famílias vetadas pelo voto, como os Sarney – dominantes no Maranhão – que não elegeram seus integrantes e estão fora da política regional. Isso deve ser visto como renovação, como aconteceu no Paraná, em que a família Dias sofreu baixas, o senador Requião perdeu a reeleição, mesmo sendo considerado líder influente com três mandatos de governador, Beto Richa, de família política, não conseguiu se eleger para o Senado e seu grupo saiu enfraquecido. O povo preferiu mudar, apostando em lideranças novas a velhos grupos que nos últimos trinta anos se revezavam no poder, o eleitorado paranaense optou pela política planejada, moderna e atualizada.
É correto afirmar que a renovação só não foi maior porque o financiamento público de campanha não beneficiou os novos, sendo distribuído preferencialmente para os caciques e candidatos tradicionais e influentes em seus respectivos partidos, barrando oportunidades aos iniciantes e funcionando como desestímulo. Por isso, na Câmara Federal restou um grupo de deputados que acumulam entre 24 e 28 anos de mandatos consecutivos e nas Assembleias Legislativas, assim como no Senado, também muitos notórios carreiristas permaneceram.
Outra constatação é de que o eleitor preferiu candidatos com comportamento político mais definido, rejeitou a pregação de meio-termo. Isso já havia ocorrido na campanha de Fernando Collor em 1989 e repetiu-se agora com Bolsonaro. Mensagens mornas e bandeiras sem forte apelo popular não encontraram receptividade nas urnas. Aliás, esta eleição acabou muito parecida com a de 1989. Todos os grandes partidos participaram no primeiro turno com o melhor de suas lideranças, no entanto, a predominância ficou com uma sigla de menor expressão. Naquele ano, nomes como Ulysses Guimarães, Mário Covas, Leonel Brizola, Aureliano Chaves não tiveram a votação esperada e o segundo turno ficou entre Fernando Collor (PRN) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Agora, o PSL sem a tradição dos demais levou Bolsonaro para a definição em segundo turno.
Ficou evidente, também, que esta eleição foi visivelmente plebiscitária, polarizada entre duas correntes, o petismo e o antipetismo. O primeiro turno deixou essa tendência bem clara. Vejo como importante perspectiva de redefinição do sistema político-partidário com a cláusula de desempenho eleitoral, conhecida como cláusula de barreira, que levará à gradativa redução do número de partidos. Neste ano – primeira eleição com a vigência do dispositivo – 14 siglas não atingiram a representatividade exigida e o total deve cair de 32 para 18 partidos. Os atingidos não terão tempo no horário eleitoral gratuito para pregação e nem o amparo financeiro do Fundo Partidário. Seus integrantes certamente irão se abrigar em outras siglas.
Por todos esses fatos e circunstâncias, e as respostas populares reveladas pelas urnas, acredito que esta eleição pode ser considerada um divisor de águas em prol da mudança da própria política. Se o povo despertou mesmo para a efetiva participação é um acontecimento auspicioso, pois o fortalecimento da democracia depende dessa participação popular, principalmente através dos partidos, com novas lideranças sem vícios, novas ideias e verdadeira disposição para o trabalho sério, comprometido com as aspirações nacionais. Acredito que deste pleito podemos tirar lições positivas, tivemos avanços e podemos avançar muito mais para o aperfeiçoamento do sistema político e consolidação da democracia.

Luiz Carlos Borges da Silveira é médico, foi Ministro da Saúde e Deputado Federal