Franklin de Freitas – Clubes de tiros têm demanda em alta e fiscalização também

Na esteira do decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que flexibilizou a posse de armas de fogo para segurança pessoal pela população, a 5ª Região Militar do Exército Brasileiro, responsável pelos regimentos do Paraná e Santa Catarina, anunciou que irá intensificar a fiscalização da parte que lhe cabe sobre o assunto — os 221 clubes de tiro e os 22 mil colecionadores, atiradores e caçadores (CAC) dos dois estados. O Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados da 5ª Região Militar é responsável apenas pela prática esportiva. O registro de armas para posse, previsto no decreto presidencial, é de responsabilidade da Polícia Federal (PF).
O Paraná tem 84 clubes de tiro que devem passar por vistorias surpresa ao longo deste ano. De acordo com o Exército, o interesse por tiro desportivo cresce a cada ano e somente em 2018 foram emitidas 45 mil licenças destinadas a atiradores em todo o País.
As duas situações, posse para defesa em casa e prática esportiva, se confundem entre os entusiastas do armamento. “A procura aumentou, só que a gente deixar muito claro que não é a mesma coisa. Esporte é esporte, defesa é defesa. As pessoas que procuram isso (segurança) acabam não ficando muito tempo no clube. E não é tão fácil. As regras do atirador desportivo são bem piores do que para defesa”, afirma a campeã brasileira e oito vezes campeã paranaense, Fabiola Scotti, sócia do Clube Órion de Tiro, em Curitiba.
Nos últimos dois anos, segundo o Exército, houve um aumento de cerca de 100% no número de registros de armas de fogo e de atiradores esportivos no Paraná e Santa Catarina. Em 2017, foram registradas 6,8 mil armas e 4225 atiradores. No ano seguinte, os números quase dobram, com 13 mil novas armas e 7483 novos atiradores. A tendência para este ano é de que o crescimento seja ainda maior. Somente em janeiro e fevereiro, 1580 novas armas e 1111 atiradores foram cadastrados. O Paraná teve 480 novos registros de armas e 600 colecionadores, atiradores e caçadores cadasdrastados neste ano.
Em Curitiba há três principais clubes de tiro, o Órion, o Santa Mônica, e o SK. Para funcionar, o clube precisa ter um Certificado de Registro jurídico, com diversas regras a serem seguidas. A munição do clube não pode sair do clube. Todo mês tenho que mandar um mapa de consumo para o Exército de tudo que foi comprado e consumido. Nós temos mais de calibre permitido, agora que liberou para os clubes de calibre restrito”, conta. Há 16 anos em funcionamento, o clube fundado por José Guido Scotti já formou diversos atletas, incluindo Luis Guilherme Scott, bicampeão brasileiro.

Prática esportiva é diferente da posse em residência, explica tenente-coronel
O tenente-coronel Paulo Roberto Aguiar da Costa, chefe do Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados da 5ª Região Militar, afirma que o aumento na procura por clubes é constante. “Nossa demanda vai continuar aumentando. Esse aumento já está acontecendo há pelo menos quatro anos. Esse decreto que acabou de ser assinado só dá o direito de ter a posse da arma, que a solicitação é feita pela segurança. Mas se ele quiser atirar com essa arma tem que vir ao Exército. O cidadão comum, que quer uma arma para segurança em casa, vai se registrar na Polícia Federal. O Exército fiscaliza apenas a prática esportiva, que inclui caçadores, que só podem existir para ‘abate da fauna invasora’, no nosso caso só o javali”, orienta.
A fiscalização é feita basicamente por meio dos clube. “É muito difícil para o Exército fiscalizar o indivíduo atirador, então fazemos isso nos clubes. E é obrigação do clube controlar a rotina dos atiradores. Em uma verificação pelas equipes do Exército todas as regras do tiro desportivo, documentação de legalidade das armas, se todos os atiradores estão em dia, o prazo de validade dos documentos e licenças”, explica. Além do plano de fiscalização, que contempla 100% dos clubes ao longo do ano, são feitas operações centralizadas, interagentes, que envolvem a Receita Federal, as policias civil e militar, bombeiros, etc.
A manutenção das armas é de responsabilidade do atirador. Se houver algum acidente com a arma é de responsabilidade dele. Segundo o tenente-coronel, entre as irregularidades mais comuns está a ausência de renovação de documentos. “Normalmente é por engano. Mesmo assim ele é autuado de forma administrativa, sem judicialização”, diz.
A validade do certificado de registro é de 3 anos, portanto, mais rigorosa que a prevista no decreto de Bolsonaro, que prevê licença de 10 anos para posse de armamento em casa. Além disso, é necessário pagar o clube regularmente. No Órion, em Curitiba, a taxa de adesão é de R$ 250,00, com mensalidade de R$ 130,00. A média de custo para fazer um CR (Certificado de Registro) para CAC (Colecionador, Atirador, Caçador) gira em torno de R$ 800,00 a R$ 1 mil, sem contar a arma e a munição.
“Para praticar paga munição e alvo. Uma arma básica, custa de R$ 5 a R$ 6 mil, uma pistola 380. A munição, em Curitiba, só tem um lugar para comprar, que é a CBC. Custa R$ 3 mil a R$ 4 mil o milheiro. No clube é R$ 1,90 por bala”, explica Fabiola Scott. A presidente do clube orienta que os interessados nos clubes se informem sobre as diferenças da posse para segurança e da prática esportiva. “Eu não posso dar curso para essa pessoa que não tem registro como atirador. A parte de defesa é com a Polícia Federal. Isso (poder atirar) tem a ver com o atirador esportivo”, diferencia.

Rigor para se tornar um atirador esportivo aumentou em 2019
Para ser um atirador desportivo é necessário que a pessoa física seja filiada a um clube de tiro e que frequente o local para a realização de treinos ou participação em competições ao menos oito vezes num período de 12 meses. Essa habitualidade do atirador será alvo das fiscalizações do Exército ao longo de 2019. Em caso de infrequência, o registro do atirador será suspenso e posteriormente cancelado.
Uma das preocupações é que com o aumento da demanda as exigências possam ser negligenciadas. Desde o ano passado, o rigor na fiscalização, ao menos no Paraná, aumentou. Uma nova diretriz editada pelo Exército em agosto de 2018 deixou mais rígido o controle da prática de tiro esportivo, exigindo que qualquer pessoa que queira atirar nos clubes tenha antes um Certificado de Registro (CR) no Exército.
Para a presidente do clube Órion Fabiola Scotti, parte do aumento no número de registros foi causada pela regularização de clubes. “O aumento houve por causa da obrigatoriedade prevista na diretriz. ‘Metade desses CRs’ foi feita no nosso clube. Antes era só chegar com RG e CPF que já podia atirar. Hoje eu só atendo pessoas que têm esse registro. Teve um aumento porque nós obedecemos as leis”, aponta.
Fabiola comemora o comprometimento do Exército em apertar a fiscalização. Segundo ela, após o aumento do rigor, o plano de negócios do clube teve que ser alterado. “Eu espero que eles façam isso, porque a pior coisa do mundo é quando a gente cumpre a lei e leva prejuízo porque os outros não cumprem”, questiona.

‘Não imagino alguém usar arma sem ter prática’, diz associado 
De responsabilidade da 5ª RM, Santa Catarina tem um número maior de praticantes do que no Paraná. São 137 clubes de tiro, contra 84 do Paraná. Para o tenente-coronel Aguiar, a prática entre os catarinenses é “cultural”. Morador de Florianópolis, o empresário curitibano Endrie Smolka é um dos novos integrantes de clube de tiro. Ele inciou os procedimentos para obtenção da CR neste ano. Smolka afirma que sua experiência fez com que aumentasse sua preocupação com as pessoas que poderão obter armamento para manter em casa sem o devido preparo. “Um absurdo da lei da posse é que quem tem uma arma em casa não pode praticar. Parece fácil, mas não é. Não consigo imaginar alguém que precise usar uma arma um dia sem que tenha prática”, alerta.