O presidente Jair Bolsonaro contrariou mais uma vez recomendações de autoridades de saúde e colocou jornalistas sob risco de infecção ao anunciar, em entrevista na terça-feira, 7, que contraiu o novo coronavírus, afirmam analistas. Para o médico Julival Ribeiro, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o paciente deve cumprir rígida quarentena e quebrar o isolamento apenas se precisar buscar atendimento médico.

Na entrevista, Bolsonaro foi cercado por pelo menos três repórteres, além de equipes de filmagem. No fim, ele retirou a máscara, mas antes se afastou dos jornalistas.

Para Ribeiro, a máscara não é “100% segura” para impedir a transmissão da doença. “Uma pessoa que está com a covid-19, e sabe, não pode dar entrevista. O correto é: teve covid, ficar em quarentena, mesmo para autoridades”, disse. Segundo o infectologista, o apropriado, a partir de agora, é realizar o período de isolamento em casa, dentro de um quarto bem arejado, e não compartilhar banheiro, talheres e outros instrumentos. “Não deve sair de casa, exceto para ir ao hospital”, disse.

Na avaliação de André Ferreira, especialista em direito penal da FGV Direito SP e advogado do CADHu (Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos), é possível enquadrar a conduta do presidente em três crimes previstos no Código Penal: infração de medida sanitária preventiva, ofender a saúde de outrem e incitar publicamente a prática de crime.

“Esse crime (de infração de medida sanitária preventiva) pune quem descumpre com as regras de prevenção ao contágio, como vimos no vídeo com os jornalistas e em diversas outras oportunidades em que ele andou livremente entre manifestantes, desrespeitando as regras de isolamento do DF e causando aglomerações. Ninguém comenta isto, mas o fato de transmitir a alguém uma moléstia pode ser enquadrado no art. 129 do Código Penal, pois é uma ‘ofensa à saúde de outrem'”.

Ferreira aponta que o mais grave, na sua visão, foram as falas e posturas do presidente que podem ter incentivado a população a descumprir as medidas de isolamento nos últimos meses. “Isto também é um crime, chamado de incitação pública à prática de crime e está no art. 286 do Código Penal.”

Após a entrevista, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) afirmou, no Twitter, que irá cobrar do Ministério Público Federal (MPF) que Bolsonaro responda por crime contra a saúde pública. “O presidente já sabia que estava contaminado quando retirou a máscara durante a entrevista, colocando deliberadamente a vida dos demais em risco”, disse.

Entidades médicas e científicas são assertivas em orientações sobre distanciamento social. Em informe do fim de março, a SBI afirma que quem apresenta sinais de “resfriados” ou “síndrome gripal” pode ter a covid-19. “Logo, todos pacientes com essas duas apresentações clínicas devem ser colocados em isolamento respiratório domiciliar por 14 dias.”

O médico Leonardo Weissmann, consultor da SBI, disse que o perigo de contaminação seria maior se alguém estivesse sem máscara na entrevista. Para ele, o ideal seria Bolsonaro manter a proteção sob nariz e boca durante a conversa. “Porém, no momento da retirada, o senhor presidente afastou-se dos jornalistas. Não sei o quanto, mas quanto maior a distância, menor o risco para quem estava ali”, disse.

Fatores de risco

Na entrevista, Bolsonaro disse que médicos “têm dito” que usar a hidroxicloroquina aos primeiros sinais da covid-19 tem “chance de sucesso em volta de 100%”, mas a droga usada para malária, entre outras doenças, não tem eficácia comprovada contra a covid-19.

Segundo especialistas, Bolsonaro corre riscos pelo fato de ter 65 anos e também ter passado por estresses recentemente e em decorrência do cargo. “O estresse não é bom porque provoca a secreção de hormônios da suprarrenal que podem interferir negativamente com a resposta imune”, diz o infectologista do Fleury Medicina e Saúde Celso Granato.

Procurado, o Palácio do Planalto não quis comentar sobre a entrevista de Bolsonaro. (Colaborou Bianca Gomes)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.