Franklin de Freitas – Prefeitura de Curitiba criou um projeto de acolhimento aos órfãos da Covid-19

Balanço apresentado em audiência pública da Câmara Municipal de Curitiba na última sexta-feira pela Secretaria de Educação da cidade aponta que desde o início da pandemia da Covid-19, pelo menos 235 crianças perderam o pai ou a mãe para a doença. A informação foi dada pela coordenadora de Equidade, Famílias e Rede de Proteção da Secretaria Municipal da Educação (SME), Sandra Mara Piotto.

“Até ontem, tivemos 226 famílias com perda direta do pai ou da mãe de alguma criança. O que nos dá 235 crianças matriculadas na rede municipal de ensino que tiveram o processo de luto recente decorrente da covid-19”, afirmou ela. 

Sandra Piotto explicou que a Prefeitura de Curitiba criou um projeto de acolhimento aos órfãos da Covid-19, que vai da identificação do reposicionamento das crianças na família estendida a informar os responsáveis dos seus direitos, desde a guarda até as questões de pensão, buscando a reorganização familiar. “Fizemos as mediações para que a família estivesse amparada em todos os aspectos”, garantiu. Ela informou que a participação era voluntária, com 30% das famílias ingressando no programa.

“O número de crianças que perderam familiares durante a pandemia nos tocou e os profissionais da Educação elaboraram um programa de acolhimento a essas famílias, que foram convidadas a participar. Muitas vezes quem veio a óbito é quem cuidava, quem orientava as crianças nos estudos. E com dor você não aprende”, confirmou a secretária municipal da Educação, Maria Sílvia Bacila. A exposição dos dados da SME foi um dos aspectos abordados na audiência pública, que fez um mosaico dos problemas relacionados à saúde mental das crianças e adolescentes na pandemia.

Suicídios – Primeira a falar na audiência, Angela Vidal Gandra da Silva Martins, que é a atual secretária nacional da Família, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, preferiu abordar a pandemia pelo prisma das oportunidades que ela trouxe às famílias. “Famílias desestruturadas e disfuncionais tiveram problemas [na pandemia], mas outras famílias se aproximaram, porque tiveram ocasiões para se redescobrir, da vida conjugal ao relacionamento com os filhos, passando pela solidariedade intergeracional”, comentou.

Informando que há uma pesquisa em curso, do Observatório Nacional da Família sobre os “fatos reais advindos da pandemia dentro da família”, Angela Martins afirmou que “o suicídio diminuiu [na pandemia]”. Para ela, “o isolamento teve um efeito protetivo familiar” e que isso é uma das razões para a proposição da campanha Dezembro Dourado, “[que seria] um mês para celebrar a família como berço da saúde, porque é de fato na família que a pessoa é cuidada, nutrida”. “O Brasil precisa conscientizar as famílias sobre a depressão, fortalecer os vínculos familiares para que o amor chegue antes”, defendeu.

A secretária nacional teve que se ausentar, por motivos de ter outros compromissos agendados, então não ouviu a participação do jornalista Jasson Goulart, à frente do Balanço Geral, um programa de tevê com foco no jornalismo comunitário, para quem “os dados trouxeram uma falsa impressão de diminuição da violência”. “A pandemia escondeu, no tempo que as crianças ficaram fora da sala de aula, o tamanho do problema. De janeiro a agosto deste ano, 22 crianças e adolescentes tentaram o suicídio e foram atendidos no Hospital Pequeno Princípe, o que muitas vezes está associado à violência dentro de casa”, destacou.

Psicólogo do Hospital Pequeno Príncipe, Bruno Jardini Mader não confirmou o número citado por Goulart, mas constatou que a impressão é que os casos de suicídio entre jovens teria aumentado, “o que nos preocupou bastante”. Para ele, além disso, a pandemia afetou negativamente o desenvolvimento das crianças. “Quando falamos de Saúde Mental, estamos falando do potencial de desenvolvimento das pessoas. E o desenvolvimento infantil está relacionado a oferecer às crianças ambientes com estímulos seguros e apropriados para a faixa etária. Chega para nós, no Hospital Pequeno Príncipe, crianças com sofrimento emocional e psíquico relacionado à perda desse convívio”.

Saúde emocional – Parte da discussão foi sobre como acolher as crianças atingidas pela pandemia. Para Bryan Rojas, pastor e professor no Colégio Adventista Boa Vista, o ideal é a participação dos adultos na superação da tristeza. “Amar é uma atitude, uma ação. É lembrar que as pessoas precisam de ajuda. As crianças têm medo de se abrir, de conversar. Depois de amar, é preciso não julgar. Temos que entender qual a história da criança, que às vezes vêm de lares destruídos. Precisamos ter tempo para oferecer esperança e então ajudar”, afirmou. “Um olhar empático para as crianças mais perto da gente pode fazer toda a diferença”, concordou a pastora Kelly Subirá, autora de livros sobre a infância.

“Criança saudável é aquela que consegue interagir, num ambiente de trocas recíprocas”, ecoou Patrícia de Lima, terapeuta ocupacional do Hospital de Clínicas, que fez um apanhado da discussão anterior, destacando sua preocupação com os casos de suicídio entre jovens. “Não podemos romantizar a saúde mental e cobrar dos órgãos governamentais o direito à saúde integral”, disse defendendo a realização da escuta empática das crianças. Ela relatou ter atendido crianças com três anos profundamente enlutadas pela perda de parentes durante a pandemia. “Que mecanismos podemos criar para ajudar as famílias, os educadores?”, perguntou.